sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (31)

A matança: a morte

- Ó carvalho no carvalho… deita-lhe as mãos às unhas, aperta com força, finca os cotovelos na barriga e puxa… carvalho – increpava o Ti Madanelo, pelo claro, quando viu o Ti Biqueirão, atrapalhado, à procura de encontrar a pata que lhe tinha escorregado da mão e já estava a ficar convencido de que não eram capaz de o pôr em cima do banco.
Mas, depois de muita força e sabedoria, as oito arrobas de chicha, bem medidas, lá acabaram por ser arrastadas, erguidas e deitadas sobre o banco pela bravura do grupo que, agora, se debatia, napoleónicamente em linha, encostados ao longo do lombo para mais fácil se protegerem do espernear feroz e constante do animal. E entre maldizeres e gargalhadas o Joaquim Cortador, sempre à cabeça do animal, atava-o fatalmente ao banco. Deu-lhe 5 voltas bem puxadas e com a corda sobrante fez uma laçada sobre a mesma. O focinho do bicho avermelhou-se, os olhos raiaram-se-lhe de sangue, os grunhidos eram agora de sufoco. Metia dó. O holocausto estava prestes a ser consumado. Por respeito os homens calaram-se. O Ti Joaquim apontou a faca, apalpou o osso com a mão canhota e espetou na direcção do coração. Ainda não tinha golfado o primeiro jorro e já a Tia Rabiça vinha com o alguidar na mão, a mexer o vinagre e sal, mistura que minutos antes tinha preparado e havia de evitar que o sangue se tomasse. Uma voz manda afastar o raparigo que furava entre homens e que, talvez, por reminiscências ancestrais de caçador, tudo queria ver. Os grunhidos foram diminuindo à medida que jorro de sangue fumegante, dirigido pela inclinação ligeira que o matador dava à faca, caía no alguidar de barro que e a mão ensanguentada e corajosa não parava de mexer.


António Sá Gué

(Continua...)

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Para além do interesse que estes "Quadros" têm, estão muito bem escritos. São magníficos.
Parabéns, Sá Gué.

Abração
Júlia

Anónimo disse...

Achei tão interessante reconhecer o nome Ti Madanelo como um dos personagens deste teu quadro da matança! Somos vizinhos, está tudo dito.

Um abraço
Isabel