sábado, 26 de fevereiro de 2011

Plácido Souto - a obra e o artista

Numa curta passagem pelo Museu do Ferro, deixo esta cumplicidade entre a obra e o artista.






Fotografia: João Costa

Exposição de Escultura em Ferro de Plácido Souto, no Museu do Ferro

É hoje (dia 26 de Fevereiro) inaugurada a exposição de Escultura em Ferro, de autoria de Plácido Souto, no Museu do Ferro & da Região de Moncorvo, pelas 15;30 horas.


Plácido Souto, natural de Caminha e residente em Vilar de Mouros, começou de muito jovem a trabalhar o ferro, primeiro como aprendiz, mais tarde como ferreiro e depois serralheiro. Trabalhou ainda como soldador nos estaleiros navais da Lisnave, no concelho de Almada, e, depois de se reformar, voltou às terras das origens, onde se dedica a trabalhos de escultura em ferro, tendo realizado várias exposições que, com assinalável êxito, têm percorrido os concelhos da região de Entre-Douro e Minho e da vizinha Galiza.

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E porque de artes do ferro se trata, impunha-se a apresentação da obra deste artista-ferreiro, ou ferreiro-artista, no espaço do Museu do Ferro.

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Se vai estar por Torre de Moncorvo este Sábado à tarde, não perca esta oportunidade de visitar a exposição e de conhecer o artista convidado!

A mostra ficará patente até ao final do mês de Março e poderá ser visitada no horário normal do museu, todos os dias de terças-feiras a Domingos, entre as 9;30h-12;30h e das 14h-17;30h.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Amendoeira


A árvore, a pensar nos frutos, esquece-se de si.
E, nós, que flores? que frutos? Só o que se esquece de si frutifica.

António Manuel Caldeira Azevedo,
in Ode ao Douro, Lello Editores, 2007

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (35)

Há ainda uma infinidade de “quadros” e “sentimentos”, que carrego no meu subconsciente e que reconheço como fazendo parte de uma cultura de um povo, e que, para o bem e para o mal me enformaram.
Agora, quando os releio aqueles que aqui editei, embora veja neles peças de uma cultura que todos nós transmontanos, de uma maneira ou outra, carregamos, mas, dizia eu, embora os considere como tal parecem-me peças desgarradas, sem nexo. É como se não se integrassem, como se estivessem descontextualizados. Por isso, decido aqui concluí-los, ou seja, talvez os continue a trazer ao meu consciente, pouco a pouco, talvez os continue a passar para o papel, mas ficarão à minha guarda até me parecer que estão todos eles integrados, até me parecer que, no seu todo, já podem dar uma imagem, mesmo que pálida, do tal conceito que chamamos “cultura transmontana”, se é que existe.


António Sá Gué

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (34)

A matança: o abrir

Com perícia, e saber, desferiu dois golpes profundos de alto abaixo. Começou no queixal e só terminou junto ao rabo, que o Ti Madanelo já tinha cortado e mandara assar nas brasas da fogueira onde continuavam a crepitar os rijões e os toros de castanheiro. A fatia da barriga saiu inteira, exactamente como se fosse a tampa de uma lata de sardinhas de conserva.
- Tem bons fígados – disse, em tom de chalaça, o Ti Joaquim Cortador depois de avistar o fígado e não encontrar sinais de doença.
De seguida excisou os bofes que lavou com água corrente. Extraiu a bexiga e deu-a aos raparigos, que por ali andavam, e fizeram dela bola de futebol. Pediu que lhe trouxessem o tabuleiro onde despejou as tripas.
- Pronto!… Já tendes com que vos entreter – disse, maliciosamente, às duas mulheres que pegavam no tabuleiro, uma de cada lado.
E assim foi, durante mais de duas horas, ali estiveram de cócoras, na abrigada do palheiro, a desfaze-las, como se dizia, para significar a extracção dos interstícios untosos que ligam as diferentes circunvoluções intestinais.
Já o animal pendia na viga da adega, já o sarrabulho estava sobre a mesa e o vinho corria nas goelas, quando elas chegaram da tarefa delicada, que só consideravam completa depois de serem reviradas e limpas.

António Sá Gué

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (33)

A matança: a barrela

A matança nunca foi trabalho, sempre foi festa, mas se se pode dizer que havia alguma tensão terminou agora, agora mesmo, depois dos fachoqueiros serem extintos, depois do Ti Chico achar que era tempo de os apagar, que o lume também se quer temperado.
– Tudo o que é excesso é maleita – aconselhou.
Em conjunto, sempre em união de esforços, o animal voltou a ser içado para o banco.
Agora, é tempo de lhe “fazer a barba” que a esfrega com pedras e cortiças, entremeada com jorros de água do cântaro, às vezes dispersa pelo crivo do regador já está no fim, já não acrescenta nada à barrela do cochino que, ao longo da ceva, nunca tomou banho, ouvia-se nas conversas brejeiras e quase sempre maliciosas d' Os Simples. Agora, trabalhavam as facas, as faquinhas e o facalhão do Ti Joaquim Cortador, que raspava, o lombo bojudo do animal, agarrando com ambas as mãos em cada uma das extremidades. Todos os refegos, todas as dobras da pele, desde as orelhas aos pés, eram raspados, limpos pelas pontas das facas que todos traziam consigo, e que retiraram dos bolsos das calças já gastas. As cerdas, o cisco, a cinza da palha ardida, em boa verdade o lixo acumulava-se no gume que, de vez em quando, era largado nas arestas do banco, ou em qualquer outro pau das imediações.
- Virem-no de papo ao ar – ordenou o Ti Joaquim Cortador quando lhe pareceu que estava devidamente limpo.
Se fosse cirurgião teria pedido que o colocassem em decúbito dorsal, mas não passava de humilde talhante, embora tivesse ademanes de Galeno: arregaçou as mangas, voltou a aguçar a faca na sua própria aguçadoura, que fizera questão de trazer de casa, pediu um pano que colocou sobre o ombro e preparou-se para abrir o animal: entrar-lhe nas entranhas. Preparou-se para dar a sua aula de anatomia anual aos restantes que, agora, se limitavam a manter o corpo do animal equilibrado, segurando pelas patas, e seguiriam, com olhar de basbaque, todos os golpes certeiros que se adivinhavam.

António Sá Gué

(Continua…)