sexta-feira, 25 de março de 2011

Quadros da Emigração – Uma Andarilha Portuguesa em Cheshire (Reino Unido)

Em Cheshire, bati à porta de 68 anos viçosos, sorridentes e meigos, na manhã radiosa de ontem. Assim que transpus a entrada, o mesmo sorriso afável mandou que me sentasse, no asseio do aposento modesto, à volta de uma chávena de chá.
Já em idade avançada, Maria emigrara por razões sentimentais para o Reino Unido. É certo que, em Portugal, teria de continuar a trabalhar até aos 73 anos de idade para ter direito a uma pensão que a deixaria no limiar da pobreza. Mas, de momento, sentia-se ainda com forças para enfrentar o trabalho e, por essa razão, essa não fora a sua maior preocupação.
Recordava-se que, com 25 anos, uma filha nos braços e acompanhada pelo marido, tinha largado pela primeira vez a terra natal rumo à Rodésia, no ano de 1968. Aí, fabricou a sua extensa propriedade até que tudo ficou nas mãos dos nativos e teve de abalar. “Sem nada!”, disse-me de semblante cabisbaixo.
Em 1983, já com mais um filho na algibeira, deslocou-se para a África do Sul, instalando-se em Joanesburgo e, em seguida, em Pretória. Vivia na sua “Farm” e ali cultivava tudo. “Até grelos! Olhe, os mesmos que vi na loja dos chineses, em Manchester!...”
Também aí a conjectura política mudou e resolveram regressar a Portugal para a terra do marido, que ficava muito perto de Lisboa. Aliás, esse fora sempre apenas o seu intento. Carregou continuamente Portugal no coração desde o tempo em que dele se apartara.
A divagação de andarilha portuguesa pelo mundo transportou-a de novo ao ponto inicial da diáspora, quando constatou que a minha perplexidade não compreendia o seu último adeus à pátria portuguesa. Não acompanhara o esposo, que se emaranhou de novo no continente africano. Contudo, o sentimento de mãe e de avó venceu todas as suas resistências de ligação ao cantinho de origem e ei-la numa pequena aldeola de Cheshire, com todos os seus pertences materiais para montar casa e residência vitalícia no país que tão bem a tem acolhido. “Aqui, os Serviços Sociais e de Pensões são estupendos! Estão a tratar de tudo e com muita consideração!”, comentou agradecida.
Por enquanto, trabalha apenas seis horas por semana. Serviços de limpeza. Mas quer mais! Foi a uma entrevista de trabalho para um lar de idosos e tem esperança que consiga ficar. Isto, pela sua independência monetária, por uma casinha sua ao lado da dos filhos e dos seus netinhos, pela reaprendizagem da língua inglesa e do convívio com os vizinhos...
Por vezes, sente falta do sol e da bica, sobretudo à hora do almoço. Por isso, fará, no Verão, uma visita a Portugal, logo que as férias laborais lho permitam!

3 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Isabel:

Este seu trabalho é de suma importância. Há que trazer aos portugueses, que vivem neste pequeno rectângulo, a via-sacra que tem sido a vida de tantos conterrâneos nossos.
É bom quando há "pão e rosas" mas, por vezes, o pão é escasso e, das rosas, só ficam os espinhos.

Um grande abraço
Júlia

Anónimo disse...

Felicito a Isabel por mais esta pequena-grande história de vida, a da senhora portuguesa que está no Cheshire. É que nisto da saga da emigração "tuga" parece que, por um estúpido preconceito ideológico, se tende a falar em "emigração" apenas os casos em que os portugueses foram para países da Europa (ou Brasil, em fase mais recuada), na condição de humildes explorados, fugindo da fome e da miséria que grassava nas suas terras de origem. Os que emigravam para o ultramar português, ou para outra paragens africanas (ainda por cima terras do "aparthaid"), entendem esses alguns, que iam na condição de exploradores, de gente sem escrúpulos, maléfica, que, pelo simples facto de irem para onde foram, já revela em si um gene de sanguessuga e, como tal, foi muito bem feito se vieram com uma mão atrás e outra à frente! (foi cstigo da providência), e, como tal, não devem ser considerados "emigrantes" (no entender dos mesmos).
A meu ver, nãao há uma "emigração boa" (a dos explorados) e uma "emigração má" (as dos prentensos exploradores). Há simplesmente Emigração! Exceptuando o caso dos senhores q iam trabalhar para a administração colonial (altos funcionários em comissões de serviço), a esmagadora maioria que foi para os territórios do antigo ultramar português (ou outras partes de Àfrica, sejam o Congo, ou a Àfrica austral) iam com o mesmo objectivo dos outros: melhorar as suas condições de vida, ou, tb como muitos dos outros, respondendo à tal pulsão de evasão em q há tb algo de "sentido de aventura". Os "colonos" (e a expressão é pejorativa) que foram massacrados há 50 anos no Norte de Angola, muitos quase analfabetos, que saíram de aldeias das Beiras ou de Trás-os-Montes, e que aí continuavam uma actividade também agrícola, não seriam também eles "emigrantes"?? Do mesmo modo que os Emigrantes de Ferreira de Castro que iam para o Brasil trabalhar como seringueiros, na selva?
No fundo, a própria saga dos "descobrimentos", a par da dimensão mercantil, mais não ´+e do q um amplo fenómeno de emigração, de fuga de uma terra que sempre foi madrasta (para muitos)...
Pelo que, para se pegar o assunto pelos chifres (para não dizer outra coisa), têm que se considerar todos os aspectos do mesmo, e não se heroicizar apenas um segmento que nos pareça mais "simpático". Por isso me congratulo com este post da Isabel, ao falar aqui também de um aspecto de uma emigração "diferente", e também pelo modo como o fez, demonstrando a mesma atenção e até carinho, por mais uma emigrante que foi, em dado momento, não para as terras do Chicolate, mas para as terras do "cacau" (com todas as contingências que daí decorrem).
Na certeza de que o "filão" da nossa emigração é inesgotável, desejo-lhe o maior sucesso neste ingente trabalho!
com um abraço do
N.

isabel disse...

Muito obrigada à Júlia e ao N.!
Subscrevo as vossas palavras e acrescento à moda de Torga "que são verdades como punhos"!
Emigração europeia ou outra, que a houve e há, desta "estória" salienta-se a mesma determinação da partida incial em cada uma das derrocadas por que tem passado esta nossa Andarilha.

Grande abraço,
Isabel