terça-feira, 28 de julho de 2020

A ÚLTIMA VIAGEM


Era sempre uma festa para os meus olhos quando o via já estacionado, pela rua do Jardim ou no largo Balbino Rego, o velho "machimbombo" do Rogério Rodrigues, um mercedes tipo "banheira" de cor entre o prateado e o dourado, matrícula LQ-14-63. 
Se não me antecipasse a ligar-lhe, pouco depois vinha a chamada: "Já cá estou... quer aparecer para tomar um copo?"

E era num rápido que nos encontrávamos, ou na esplanada mais próxima, se era verão, ou no tasco mais aconchegado, se já estivéssemos no frio. Quase sempre trazia um presente: ou um livro que tivesse acabado de sair, ou uns recortes que sabia serem do meu interesse, uma caneta, ou qualquer ferramenta do nosso múnus, um lápis, uma aguça, um bloco de notas, ou uns saquinhos de rebuçados do Dr. Bayard que lhe fornecia o seu amigo proprietário da respectiva fábrica, na Amadora, mas com origens em Almeida ... E da terra, levava depois, para os amigos de Lisboa, o dito machimbombo carregado de iguarias (a véspera do dia do regresso era para ir às compras: caixas de vinho, queijos, chouriças, alheiras, etc.. Sim, o RR tinha o culto dos Amigos, gostava de dar, o prazer de oferecer sem esperar nada em troca... Também por isto, por esta afectividade manifestada a seu modo de partilha, nos continua (e continuará) a doer a sua ausência... Um vazio que não se preenche, uma dor que não passa... 
Que saudades das boas e longas conversas, por vezes discordâncias (também faziam parte), e, não raro, algumas "cusquices", afora as novidades do burgo que todo se comprazia em dar, se eu ainda não soubesse, dizendo triunfante: "caramba, cheguei à meia-hora e já sei isto, e você aqui e não sabe!" - eu desculpava-me dizendo que o jornalista era ele, e como tal, traziam-lhe logo as novidades... "lá isso é verdade" - dizia sorrindo - "uma vez jornalista, nunca se deixa de o ser... é como os anões, não há ex-anões" - E ríamos.

Aconteceu ontem, ter voltado, mas já não veio com o velho machimbombo, pelo seu pé. Veio com a família, num vaso cinerário, numa última viagem, para a derradeira morada, onde fica com seus pais, o tio "Carró", sua querida Mãe e irmãos, em jazigo raso, no cemitério de Torre de Moncorvo.
Na ocasião apenas intervieram a esposa, Drª. Arlete Rodrigues, ladeada por seus filhos, noras e netas, tendo lido uma mensagem muito emotiva, e o Dr. Paulo Salgado, que leu um poema evocativo das suas vivências e lutas de outrora.  Cerimónia discreta e íntima, circunscrita aos familiares e a alguns amigos. Foi uma oportunidade para o rememorarmos - sempre - e o termos mais próximo, completando a via dolorosa do luto. Falta abrir o ciclo da celebração, com a merecida pública homenagem, logo que as circunstâncias o permitam.


É verão, e volta e meia continuo a ver por cá um machimbombo parecido, estacionado pelo largo Balbino Rego, ou pela rua do Jardim. Às vezes no parque dos Bombeiros. Instintivamente, olho para a matrícula e, para meu pesar, já não é o LQ-14-63... É quando mais sinto o vazio, a saudade imensa, a tremenda ausência de quem nunca devia ter partido. 
Como alguém escreveu na ocasião em que nos deixou, que falta nos faz o Rogério....

N.Campos

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