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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO III

4 – Breve história da produção e comércio do sumagre em Trás-os-Montes e Alto Douro

Foi na transição do século XVII para o XVIII que a produção e comércio do sumagre atingiram o auge na região de Riba-Douro. Com o desenvolvimento da viticultura, sobretudo a partir da demarcação pombalina, este cultivo fora progressivamente substituído pela vinha, entrando em declínio, declínio esse apenas interrompido nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, devido à grande crise provocada pela filoxera, em que o sumagre, juntamente com o cânhamo e o tabaco foram as culturas alternativas à vinha.
Mas nos meados e finais do século XVII o valor do sumagre transaccionado no mercado portuense para uso interno e exportação chegava a suplantar - o que é surpreendente - o próprio valor do comércio do vinho!
Mas já anteriormente, no século XVI há registos relativos ao comércio desta matéria prima, como um testemunho do cronista Rui Fernandes, datado de 1531 numa sua crónica muito curiosa intitulada « Descripção da Roda de Lamego duas Légoas» onde relata: «…neste circhoito das sobreditas légoas 15.000 arrobas de çumagre que carregavam pera lixboa e ao algarve e às ilhas e pera todo entre douro e minho e tralos montes e pera a beira…»Em registos do século seguinte, iremos confirmar a grande expressão da produção e comércio deste produto com a transcrição de um excerto de um excelente artigo do Professor Francisco Ribeiro da Silva da Faculdade de Letras da Universidade do Porto intitulado « Porto e Ribadouro no século XVII – a complementaridade imposta pela natureza »: «…os produtos comercializados oriundos de Riba-Douro eram naturalmente o vinho, de que numa acta da Câmara do Porto de Agosto de 1647 é registada a entrada de cerca de 20.000 pipas por ano de vinho de Lamego, o azeite, os citrinos e o sumagre...numa complementaridade em que o Porto, por terra ou por via fluvial, abastecia a região de Ribadouro de géneros básicos como o pão, o açúcar, o peixe seco, o sal, o vasilhame para o vinho, panos e instrumentos diversos…» Nesse artigo é–nos indicado que as primeiras notícias da exportação de sumagre datam de 1584 para Bristol pelos mercadores António Reimão e Anrique Soli, 200 e 210 arrobas respectivamente, sendo a arroba neste caso correspondente a vinte quilos. A exportação em sacos de pó de sumagre para apoio à indústria de curtumes do norte europeu - grande produtor de couros mas sem clima para esta planta mediterrânea – foi aumentando sempre ao logo dos séculos XVI e XVII e fora tal que nos finais do século XVI os sapateiros do Porto queixaram-se da falta e da carestia do sumagre para a curtimenta dos seus couros a tal ponto que foi editada uma regulamentação camarária que obrigava a que pelo menos metade do sumagre chegado ao Porto tivesse de ser comercializado no mercado interno e não pudesse ser exportado, o que obrigava também ao preço mínimo de 160 réis a arroba. Há registos de 1627 que nos informam de um movimento comercial anual de 20.000 sacos de cerca de 2 arrobas cada, ou seja, cerca de 40.000 arrobas e em 1667 esse valor ultrapassava as 54.000 arrobas, tendo Lisboa como destino cerca de 21.000 e o restante a exportação para a Alemanha, Inglaterra, França e Holanda. Como já foi referido, a seguir a este auge começa algum declínio desta cultura com a expansão do sector vitivinícola, sendo o registo do comércio de sumagre em 1786 de apenas 30.000 arrobas. Não obtive dados da época da filoxera em que ainda houve algum ressurgimento do sumagre, mas sabe-se que a partir dos anos vinte do século passado o declínio foi sendo gradual e o último registo que possuo é de um artigo do Eng. Agrónomo Artur Carrilho, publicado na «Gazeta das Aldeias » em Janeiro de 1940, em que refere que o sumagre do concelho de Foz-Côa passa por ser dos melhores do mercado pela riqueza em tanino e pelo cuidado na apresentação, refere ainda que no concelho de S. João da Pesqueira, em Vilarouco e Valongo dos Azeites, se costuma misturar a flor à folhagem na sua preparação o que faz baixar a sua qualidade. Também no referido artigo faz referência ao aumento do preço devido à guerra, para um escudo e escudo e meio quilo do sumagre do Douro. Deve ter sido nestas décadas de quarenta e cinquenta que se cultivaram os últimos sumagres na nossa região, pois actualmente o sumagre é apenas mais um dos muitos arbustos que enfeitam a paisagem, enriquecendo a deslumbrante paleta de cores no douro outonal, mas também menos bem-vinda em situações de planta invasora, porém como cultivo é apenas uma memória do passado, e as atafonas que se mantêm estão também elas próprias votadas ao esquecimento e em vias de total ruína. Como memória que é, e dada a importância que já tivera, é de justiça que algo se faça para que essa mesma memória seja preservada, talvez através do recentemente criado Museu do Douro, sendo naturalmente nesse sentido que este nosso artigo está a ser elaborado.

Representação gráfica de uma atafona.

José Alves Ribeiro

(continua)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO II

3 – Utilizações dos sumagres

3.1 – Os sumagres na indústria dos curtumes

Já foram sendo indicadas algumas das potencialidades desta espécie e das espécies afins, mas iremos centralizar a matéria deste artigo na sua utilidade maior que é a sua utilização como fonte de tanino para a indústria de curtumes, embora tivesse caído em desuso a partir do início do século XX pela obtenção de outras fontes de taninos naturais em condições mais económicas, como cascas de quercíneas e o desenvolvimento pela indústria química dos taninos sintéticos, sendo o tanino fundamental na preparação de peles e couros, extraindo–lhes gorduras e conferindo-lhes certas propriedades de textura, matiz e durabilidade. Há que relembrar aqui a grande ligação da comunidade de origem judaica trasmontana, quer ao comércio de couros e peles – ainda actualmente são referenciados os peliqueiros de Carção e Argoselo no concelho de Vimioso, por exemplo – quer à correlacionada indústria de curtumes. Há que referir que o uso do sumagre nos curtumes passava por uma prévia preparação da matéria prima, sendo necessária a sua secagem e redução a pó em moinhos próprios, semelhantes aos do azeite, denominados atafonas. Era esse pó, muito rico em tanino, que se usava na indústria. De facto os sumagres são arbustos que apresentam em média uma proporção de 20 a30 % de tanino na sua constituição, embora variando com as espécies e com as variedades. As referidas variedades do Rhus coriaria, que é o melhor e mais usado, variedades essas já referidas com as designações de «macho» e «fêmea», apresentam teores de tanino diferentes, mais elevado na variedade macho – 25 a 30% - e menor na fêmea - 22 a 25 %.



Pormenor do sumagre, tendo como fundo Torre de Moncorvo. ( foto: João Costa- 2005)


3.2 – Outras utilizações dos sumagres

Para além do uso na curtimenta de couros e peles, também já se indicou o uso de algumas espécies como tintureiras na indústria têxtil, havendo ainda outras utilizações a assinalar e algumas são muito antigas, embora ainda em uso no nosso tempo, como é a sua utilização como condimento. Já no tempo do Império Romano se usavam na culinária pastas de sumagre, extraídas dos frutos, de sabor um pouco amargo, semelhante ao do limão, e esse uso como condimento ainda se verifica nalguns países do Médio Oriente, assim como se inclui como um dos ingredientes na preparação do denominado «zahtar», condimento salgado muito apreciado no mundo árabe, à base de sumagre, gergelim e tomilho. Também não se pode deixar de indicar o uso de certas espécies de sumagres como plantas medicinais, havendo alguns de cujas folhas e talos se preparam pastas utilizáveis na cura de eczemas e outros problemas de pele, sempre e só de uso externo, e só de certas espécies pois neste género existem espécies tóxicas e até venenosas, sendo uma das mais tóxicas o Rhus toxicodendron L.,como o próprio nome científico indica.

José Alves Ribeiro

(continua)

domingo, 16 de janeiro de 2011

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Nota prévia: Em conversa com o meu amigo José Alves Ribeiro, tive conhecimento deste seu trabalho sobre a cultura do sumagre, outrora praticada em Trás-os-Montes. Se em Torre de Moncorvo esta prática não teve uma forte implantação, resta a memória de alguns dos seus habitantes que tiveram esse ofício nas terras de Foz Côa, quando por lá subsistiam das jeiras. Sugeri, desde logo, que permitisse publicá-lo neste espaço, pelo que imediatamente e simpaticamente acedeu ao pedido.

O nosso agradecimento.

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
José Alves Ribeiro, Eng. Agrónomo, Professor Emérito da UTAD

1 – Caracterização botânica e fitogeográfica do sumagre – Rhus coriaria L.

O sumagre, de nome científico Rhus coriaria L., é um arbusto da família das Anacardiáceas, família botânica de plantas ricas em resinas e taninos, onde também estão inseridas espécies como o cajú, a manga, o pistacho, a aroeira e a cornalheira, sendo estas três últimas espécies arbustivas do género Pistacia, sendo a cornalheira - Pistacia terebinthus L. - também frequente nas matas e mortórios da vegetação mediterrânea duriense. O sumagre tem a sua inserção fitogeográfica na grande região mediterrânea, mais precisamente na sua sub-região mais oriental, tendo-se expandido a sua cultura para toda a mediterraneidade. Os romanos o utilizavam como condimento, sendo também muito antiga a sua utilização na preparação das peles e couros ou seja no artesanato e na indústria dos curtumes, utilização essa que entrou em declínio a partir do início do século XX, com o desenvolvimento de outras fontes de obtenção do tanino para a referida indústria.
É um arbusto de médio a grande porte, mesmo arborescente, de marcadas preferências por locais quentes e soalheiros, nas áreas de feição mediterrânea do nosso país, na Terra Quente e vale do Douro em Trás-os-Montes e Alto Douro, na Beira Interior, no Alentejo, no Algarve e nas Ilhas da Madeira e dos Açores onde também fora cultivado. Instala-se especialmente nos taludes e nas bordaduras de matos, de caminhos ou de campos de outras culturas, locais para onde a espécie se tem disseminado ao longo das últimas décadas, desde o abandono da cultura, tornando-se um arbusto naturalizado na paisagem vegetal e em certos locais tornando-se mesmo um arbusto potencialmente invasor de vinhas e pomares. Para uma breve descrição botânica podemos caracterizá-lo como um arbusto de folhagem caduca, ramoso, de rebentos e pecíolos vilosos, ou seja de muita pilosidade, de folhas compostas, imparifolioladas, de três a sete folíolos de forma ovado-lanceolada, de recorte crenado-serrado; flores pequenas, dispostas em panículas, de inserção terminal ou lateral nos ramos, sépalas esverdeadas e pétalas brancas, glabrescentes na página inferior e pubescentes a vilosas na página inferior; frutos em cachos tirsóides, sendo cada fruto uma pequena drupa, ou seja um fruto semi-carnudo de caroço, drupas essas densamente vilosas e de cor castanha purpurescente. Existem duas variedades desta espécie, denominadas «macho» e «fêmea», sendo a primeira variedade de maior porte e de folhas também maiores e lisas na página superior e de pecíolo alado na extremidade – ao contrário da variedade «fêmea» em que as folhas apresentam as duas páginas penugentas e de pecíolo não alado nos entrenós superiores.



Sumagre num talude, junto ao rio Douro, na Ferradosa (2008).

2 - Outras espécies do mesmo género Rhus

Uma outra espécie também mediterrânea embora com maior difusão pela Europa sub-mediterrânea da zona balcânica e húngara e ainda da Ásia temperada, é o denominado sumagre tintureiro, Rhus cotinus Scop., é usado como planta ornamental pelos seus longos cachos florais esverdeados, e também usado como tintureiro pela casca das raízes e rebentos juvenis, dando côr amarelo-alaranjada aos tecidos. Outra espécie próxima é o sumagre africano, Rhus pentaphyllum L., de cinco folíolos, originário da região magrebina no Norte de África, também utilizado nos curtumes. Quanto às espécies americanas temos de assinalar o sumagre branco ou sumagre da Colúmbia, Rhus glabra L., sem pilosidade, bastante taninoso mas também de boas qualidades como planta melífera, temos também o sumagre «corno-de veado» ou sumagre da Virgínia, Rhus typhina L.,o sumagre copal, Rhus copallina L., de que se extrai uma boa resina e ainda o sumagre do Arkansas, Rhus cotinoides Nut.,cuja casca e lenho dão matéria corante amarela. Há que referir que os sumagres americanos foram sempre menos usados para os curtumes do que os mediterrâneos por darem couros demasiado corados. Ainda há a considerar os sumagres asiáticos, sendo de assinalar as seguintes espécies: o sumagre semi-alado, Rhus semialata Murray, que produz galhas muito ricas em tanino, o sumagre de cera, Rhus succedanea L., ornamental pela folhagem avermelhada e produtor de uma cera que é extraída dos frutos, sendo também das drupas que se extrai a denominada laca-do-Japão, a partir de uma outra espécie asiática, Rhus vernicifera L., sendo o nome vernicifera muito apropriado pois com essa laca é preparado um excelente verniz.

(continua)