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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A propósito de "(Re)cantos" & “Ars Vivendi”...
















Num certo dia de Janeiro de 2013 fui com o Rogério a Miranda do Douro visitar o nosso Amigo Amadeu Ferreira que estava lá de passagem. Dia curto e frio, depressa anoiteceu e deu para ajantarar.
Havia pouco tempo que tinha saído à luz do dia o segundo livro da colecção "UniVersos", bem à altura do primeiro, os "(Re)cantos..." de Pedro Castelhano. Tratava-se de "Ars Vivendi, ars moriendi", outra grandiosa obra, em mirandês, de autoria de Amadeu Ferreira, aliás, Francisco Niêbro, com a tradução para "pertués" feita pelo Rogério. - Li-o pelo natal de 2012, como prenda antecipada que o autor me fez chegar, quase de chôfre, ainda que haurindo cada verso e bebericando cada poema, nesse inverno frio e chuvoso. Aqueceu-me a alma, mas gelou-me o espírito, sobretudo porque, parece, essa "Ars moriendi" e a assombrosa visita aos mortos (os de Sendim, como aos fantasmas do Castelo de Algoso, ou ainda ao túmulo de D. Nuno Martins de Chacim) se viria a tornar como que premonitória do que haveria de acontecer a Amadeu Ferreira, a via sacra que o levaria ao calvário.
Mas então não se pensava nisso e eles, os colossos, estavam ali tão presentes e vivinhos da silva, que outra coisa não passava pela cabeça senão a grandeza daquela poesia a brotar das raízes milenares da Terra Quente e da Terra Fria trasmontana, esta mais concretamente do vetusto planalto mirandês. E a mim, fraco aprendiz, perante estros consumados, só me restava escutar e tentar absorver o mais possível esses momentos tão especiais.
Contudo, sabendo quão volátil é o Tempo, não resisti a eternizar esse encontro, irmanando os dois autores, com tantos pontos de contacto entre si, num modestíssimo escrito desses que se metem na gaveta pela má qualidade à espera que o tempo os apague. Talvez aí devesse permanecer, pois que não interessa a ninguém, mas porque acho que não levei a máquina fotográfica, fica apenas este instantâneo, não tanto do encontro, como por ter sido rabiscado pouco tempo após a leitura dessas duas obras maiores da poética transmontana contemporânea.

Com data de 11.01.2013, aqui fica então o registo a que me refiro do memorável dia:


“Ars Vivendi” de F. Niêbro & “(Re)Cantos” de P. Castelhano
Abencerragens na charneira entre o Velho Mundo e o Ser-Estar-Sentir da Urbe, esta cada vez mais um somatório de não-lugares, ou o não-lugar (a expressão devo-a a M. Augé) por excelência, Francisco Niêbro, como Pedro Castelhano e poucos mais, são autores/personagens de transição, e, como tal, carregando todo o Saber das ancestralidades para além da Sapiência haurida da cultura erudita caldeada numa visão cosmopolita que a descida da Montanha obviamente propiciou, que nem tudo é mau nesse mergulhar nas Urbes e na aldeia global.
Todavia, quando passarem, como todos nós passaremos, nesta indefectível voragem a que se chama Lei da Vida, o que ficará? Só o Urbanóidismo, a cultura urbana indistinta… Não falo da Lhéngua, de vocábulos, de vivências (de raiz rural/agrícola). Falo de um sentir. Decerto “o mundo ficará mais pobre”, como disse/escreveu um etnólogo, Ernesto Veiga de Oliveira, num célebre artigo, ao evocar os tamborileiros em extinção (como o mirandês Virgílio Cristal), os tocadores de flauta ou viola bandurra… Tal como neste caso só pelas gravações hodiernas podemos tocar tenuemente o Velho Mundo, também só pelos vossos escritos poderemos (ou poderão os urbanóides do Futuro) ter uma pálida imagem desse/deste tempo de charneira, quais Atlantes que carregais (ainda) esse Mundo às carrancholas…
Muito haveria a escalpelizar, nestas Ars Vivendi/Moriendi, como nos (Re)Cantos d’Amar Morto. Não tendo eu competência para tanto, limito-me a sentir esses poemas e perder-me neles, como quem penetra nos interstícios das fragas ou pula os espigornos (piorneiras), gestas (giestas), urzes e restolhos…  São cousas bem sentidas, e tento sentir-me com elas, sem precisar de munto esforço. – São duas obras maiores e que de certo modo se complementam e bem irmanam nestes UniVersos da Âncora.
Bem Hajam!
Henrique de Campos

Sobre o livro "(Re)cantos d'amar morto"

Alguns ecos de imprensa e blogosfera sobre o livro "(Re)cantos d'amar morto":

- Mensageiro de Bragança, 20.03.2011:
(clicar sobre o recorte para AMPLIAR)






Rogério /Pedro Castelhano, Antologia - "(Re)Cantos d'Amar Morto"


Em Março de 2011 é editado pela Âncora, o pequeno grande livro de poesia, "(Re)cantos d'amar morto", com o pseudónimo de Pedro Castelhano. A obra inaugura a colecção Universos, dirigida por Rogério Rodrigues, a convite do seu amigo, o editor António Baptista Lopes. Aqui se reúnem alguns poemas publicados no blogue "TorredeMoncorvo in blog" e ainda um postado neste blogue: "Quando o Natal chegar" (http://torre-moncorvo.blogspot.com/2010/12/poema-de-natal-por-pedro-castelhano.html ).
O livro foi apresentado em Torre de Moncorvo, na Biblioteca Municipal, no dia 19 de Março (dia de S. José, feriado municipal), pelo seu grande amigo Amadeu Ferreira (falecido em 2015), tal como aqui noticiámos - ver aqui: http://torre-moncorvo.blogspot.com/2011/03/poesia-de-pedrocastelhano-rogerio.html
Como então disse, nessa tarde memorável, o Doutor Amadeu Ferreira, jogando com as "duplas personalidades" Rogério Rodrigues/Pedro Castelhano: " (,,,) Pedro fala da morte, soterrado em problemas da vida. E Rogério, como eu e seus amigos mais chegados sabem, não tem nem nunca teve problemas pessoais, nem existenciais. Pelo menos, era o que ele costumava dizer".  - O que mais disse, bem como a intervenção do Rogério, pode ler-se aqui:
Da nossa parte, como então dissemos no post acima indicado, poder-se-ia ainda "acrescentar à análise do título feita por Amadeu Ferreira, um outro conceito que nos parece aí contido: o de 'Mar Morto', por alusão aos célebres manuscritos achados em Qûmran, que estiveram perdidos durante mais de 2000 anos, e onde se encontra o essencial do pensamento da seita mística (e eremítica) dos Essénios, algures nos desertos da Palestina. Também alguns destes escritos (manuscritos ou não) do Rogério, estiveram como que "perdidos" durante anos, se não dentro de vasos, pelo menos dentro de gavetas [e, mais recentemente, de blogues]. A sua reconstituição permite-nos seguramente conhecer algo do seu pensamento e muito do seu sentir, tal como hoje sabemos dos essénios." - Havia, a nosso ver, algo de ascético e contemplativo na personalidade de Rogério Rodrigues/Pedro Castelhano, quando se refugiava em casa ou em cafés menos frequentados, para poder ler, pensar e escrever. Recordo o seu interesse pelos gnósticos e pelo esoterismo pré-cristão conhecido por esses manuscritos do Mar Morto. Daí que esta ideia possa estar, também ela, encriptada no rebuscado título desta obra.
Fechando a quadratura de um círculo iniciado com o (pouco) juvenil "Livro de Visitas" (1972), ainda que se registe em "(Re)cantos d'amar morto" uma maior simplificação da forma poética, agora mais "entendível", a música de fundo continua "merencória" e trágica, talvez mais agravada pela entrada no outono da vida e com a morte dos sonhos de juventude que - apesar de tudo - fervilhavam naquele período pré-revolucionário. Como pano de fundo, os clássicos sempre. O primeiro poema, "Carpe diem", expressão latina atribuída ao poeta Horácio Flaco, o das Odes (séc. I a.C), dá o mote. Depois, a belíssima "Carta à neta", recomendações que têm como referência o Tempo e as mutações do mundo (nem sempre para melhor), em que se subentende o célebre "O tempora, o mores", de Cícero. Está ainda a forma clássica bem cinzelada e polida - magnífica versão escrita da marmórea Pietá de Miguel Ângelo - no assombroso poema "Stabat Mater". E que dizer ainda dessa descida ao Hades, qual Ulisses, que são os "Nove Poemas de Novembro"? E tudo o mais até ao angustiante "Quando eu morrer por favor apaga a Luz..." - Fica-se com coração e alma esganados, sobretudo depois de tudo isto lido após o fatídico dia 8 de Outubro de 2019...

N.Campos

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Quadros da Emigração - Poema: "O Tempo, A Bocarra do Inferno"

O Tempo,
A Bocarra do Inferno

Tempo da Ida

A mente conjectura
Meandros recônditos
De infindáveis caminhos a percorrer,
Porque o Tempo
Se revela infinito
Quando, em cada momento, a ânsia do pensamento percorre,
Desenfreada,
Todas as arestas dos segundos, dos minutos e das horas
e faz a soma
a contar com a contagem mansa, cadenciada dos dias de férias
Tal qual ribeiros cristalinos
A escorrerem tranquilos
sob o sol tórrido
e os zumbidos embriagados das abelhas
pelas longas e intermináveis tardes transmontanas da infância...

Tempo da Estada

Paisagens
Lágrimas
Encontros
E
Desencontros
Fundura
Perplexidade
Anseios
Revolta
Incompreensão...
Fuga
E
Fugacidade
Tal qual bandos de aves
Que levantam voo
Mal chega a hora da debandada
Para territórios quentes ou frios
Onde se exilam no travo amargo do Tempo
Que teima em não chegar...

Tempo da Volta

Paisagens
Rostos
Gestos
Silêncios
Lágrimas
Encantos
E
Desencantos...
Tal é a bocarranha do inferno,
Que o Tempo,
Voraz
E
Traiçoeiro,
Deixou tudo na incompletude
Do ano derradeiro.

Tempo,
Bocarra que (me) devora e tritura
A lisura arreganhada
Do Regresso adiado pelo Tempo.

sábado, 30 de abril de 2011

Saraivada de estevas




Trás-os-Montes,

aqui, o céu juntou-se à terra!
e, em saraivada de estrelas,
a manhã abriu-se em vasta
e perfumada toalha de estevas
de flores, de branco, bordadas em ponto matiz,
em fio doirado, amarelo, de cheias delícias,
suaves ternuras, subtis! vidas de amor,
em vermelho ponteadas de dor!
Em todo o seu esplendor!

A terra floresce em estevas primaveris!


Texto enviado por Arinda Andrés

Foto: João Costa

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Abril

Abril é o mais cruel dos meses, gerando
Lilases na terra morta, misturando
A memória e o desejo, atiçando
Raízes inertes com a chuva da primavera.

A Terra Sem Vida -T.S. Eliot

O nosso agradecimento ao Rogério Rodrigues
pelo envio deste excerto de T.S.Elliot (1888-1965), poeta, dramaturgo e crítico literário inglês nascido nos E.U.A., prémio Nobel de Literatura em 1948.

Fotos: João Costa

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ó amendoeiras!

Ó amendoeiras floridas,
amendoais de riqueza!
alegria das raparigas,
cheios de encanto e beleza!

Vou pintar a minha terra!
da cor das amendoeiras;
começo aqui pela serra,
desço mesmo às ladeiras.

Vou pintá-las de branco,
em flor, imaculado;
de rosa é o manto,
de amor e de cuidado.

Cuidado na ventania,
ou até na chuva grossa,
caem pétalas de alegria,
ficam os sonhos de rosa.


Há perfume pelos campos,
cheira a rosas e a jasmim,
abelhinhas, trinados em bandos,
deixam-me saudades sem fim!

Vou pintar as amendoeiras,
de trabalho e de ilusão
pinto de verde as ladeiras
cachuchos do meu coração!

São verdes e saborosos
de casca tenra e macia
de cachuchos tenros, viçosos
de leite, pinto grãos de alegria!!

Vem o sol, traz-lhes mimos,
vê-los crescer é um regalo,
de pele de leite finos,
pinto amêndoas de estalo!

Pintei assim as ladeiras
verdes cachuchos a sorrir,
do poio às ladeiras
pinto amêndoas a florir!


Já duras e bem sequinhas,
do verde manto despidas.
Em ouro se tornaram,
até há amêndoas paridas!

e pinto com esta tinta
de cantigas, as mulheres,
vestem-se de blusas de chita,
vermelhas aos malmequeres.

E trazem saias rodadas,
as belas apanhadeiras!
e andam assim dobradas,
alegres e galhofeiras!

e falam da sua vida
e da minha ou da tua
os homens, em vara fina,
varejam amêndoa dura.

Depois em sacos de estopa,
feitos em belo tear,
seguem arrobas de amêndoa,
p´ra casa, é bestas carregar!

E é uma animação,
sempre, sempre a reinar!
cozinha, quarto, sala ou salão,
na rua, em toldes, a secar!.

e em pás de fina madeira,
toca, toca a revirar
de casassós à ladeira,
meus sonhos hei-de pintar!

Pinto cestos de verga
até bacias de lata
amêndoa depois de seca,
é uma quebra bem farta.


E agora vamos lá todos
de Urros, ó mocidade!
cantar ao desafio,
partir grão, à vontade!

E agora sentem-se aqui,
tomem lá o malhadouro!
o grão é p´ro cestinho,
alqueire cheio é dinheiro.


Há presunto e queijo da talha,
postas de linho, é alva a toalha,
pão, bolas, salpicão e vinho,
“há barulho! ide lá ver quem ralha”.

Malhadouro malhadeiro
em açafates de verga,
o Petromax é luzeiro,
dá luz que bem se enxerga

Ó mocidade de Urros, que fizestes
da vossa fartura e riqueza?
ver os montes assim tristes
não vos dá dor de cabeça?!


RETRATOS DA MINHA INFÂNCIA.
Tininha, de Urros, outrora uma vila!
( …que teve foral antes de Moncorvo)


GLOSSÁRIO:
Barulho= desordem, desentendimentos, que, por vezes, antigamente, poderia provocar sérios danos; pequenas sublevações, garalmente na rua, que poderiam arrastar muita gente, como assistência.
Cachuchos= amêndoa, ainda tenra, coberta por casca tenra. de cor verde.
Ralhar=criticar, berrando e insultando , admoestar

Enviado por Arinda Andrés

Fotos : João Costa

Poesia de PedroCastelhano (Rogério Rodrigues), apresentada no passado Sábado em Moncorvo

O auditório da biblioteca municipal foi pequeno, no passado Sábado à tarde, durante a apresentação do livro de poesia de Pedro Castelhano (aliás Rogério Rodrigues), evento aqui anunciado, no âmbito das comemorações do Feriado Municipal de Torre de Moncorvo.
Tendo usado primeiro da palavra o Sr. Presidente da Câmara, Engº. Aires Ferreira, e o editor, Dr. A. Baptista Lopes (editora Âncora), a análise aprofundada da obra e do autor couberam ao distinto Homem de Letras, Prof. Doutor Amadeu Ferreira.
No final, o autor encerrou com algumas palavras sobre os contextos em que foi produzindo este material poético, fruto da sua "carpintaria" literária, mencionando as referências que lhe serviram de inspiração (Luisa Neto Jorge, Jorge de Sena e outros). Citando Sena, afirmou que "a Poesia é talvez a coisa mais inútil que há, mas não conheço nada mais importante".

Tribuna - a contar da esquerda. doutor Amadeu Ferreira, dr. Rogério Rodrigues, engº Aires Ferreira, drª. Helena Pontes, dr. Baptista Lopes
Começando pelo pseudónimo, Pedro Castelhano, Amadeu Ferreira esclareceu que se trata de um anagrama de Peredo dos Castelhanos (aldeia do concelho de Torre de Moncorvo), terra de naturalidade do autor, o que constitui também uma homenagem do Poeta ao cantinho de onde é oriundo.
Escalpelizando depois o título - "(Re)cantos d'Amar Morto" - o apresentador afirmou que o mesmo é susceptível de uma decomposição, vendo aí as noções de "Recanto" (lugar esconso), de "canto", não só por alusão ao verbo poético mas também o "canto" significando "bloco talhado". Há depois as ideias de "Amar"/amor e "Morte"/morto. E conclui que tudo isso está no livro, em que perpassa o amor ao rincão natal de que o autor foi arrancado, como outros trasmontanos, e transplantado para a Urbe, se bem que não haja aqui um telurismo torguiano, porque na verdade, no dizer do autor: "regresso à terra de onde nunca cheguei a partir" (Torga escrevera: "Regresso às terras de onde me roubaram...")
Da nossa parte poderíamos ainda acrescentar aqui a esta análise do título feita por Amadeu Ferreira, um outro conceito que nos parece aí contido: o de "Mar Morto", por alusão aos célebres manuscritos achados em Qûmran, que estiveram perdidos durante mais de 2000 anos, e onde se encontra o essencial do pensamento da seita mística (e eremítica) dos Essénios, algures nos desertos da Palestina. Também alguns destes escritos (manuscritos ou não) do Rogério, estiveram como que "perdidos" durante anos, se não dentro de vasos, pelo menos dentro de gavetas. A sua reconstituição permite-nos seguramente conhecer algo do seu pensamento e muito do seu sentir, tal como hoje sabemos dos essénios.
À esquerda, o doutor Amadeu Ferreira faz a análise da obra de Rogério Rodrigues (à direita).
Já por este blogue (e outros que o precederam) conhecíamos um ou outro poema ora reunidos neste livro, pelo que sabíamos de antemão da subida qualidade deste há muito esperado livro. Mas vendo-os agora assim reunidos “em letra de forma”, digamos que o Verbo ganhou outra amplitude. Trata-se, por isso, de um livro incontornável, para quem gosta de Poesia, legível e entendível (sempre dentro dos limites que nos são permitidos pela metáfora), bem ao invés de certa poesia contemporânea que, a nosso ver, chega a ser repulsiva pela ausência de musicalidade e sentido estético, em alguns casos quase ao nível formal da letra das canções "rap"...
Mas, deixemos de lado a nossa opinião, e dêmos voz ao autor, de onde retiramos este excerto magnífico do grandioso poema "Carpe Diem", um escrito crepuscular, de fim de Civilização (romana e/ou Ocidental? eis a questão):

«(...)
Carpe diem
homem que morreste só porque tinhas razão
e o futuro era a tua margem mais próxima.
Olha os desertos que regorgitam de santos
à procura do pecado. De monofisitas,
de idólatras, de iconoclastas. De gente
de sandálias, enquanto o Império cai
e não se determina por certo qual o sexo
dos anjos. Vêm os normandos, vieram
os lombardos, as hordas, as espadas
e Roma resistiu e o Homem sobreviveu.
(...)»

E ainda este excerto do poema à neta:
«(...)
Quando passeares na cidade, não te esqueças das montanhas.
Ali se escondem os espíritos, os abandonados pelo tempo,
os banidos ladrões falhados no assalto à alegria.
Serei uma sombra, um nome vago, um morrer
sem memória. Não serei, Obscuro nulo de nada. Talvez um grão.
Estou de abalada para dentro de mim, sem bornal nem seguro.
Mas como eu sonho que um violino me toque como
se eu fosse o violino e a sua melodia. Flor,
deixa-me os espinhos e respira. Sinto que é brisa.
(...)»

Poderíamos ainda aqui destacar os famosos "Nove Poemas de Novembro", de que o autor já publicara excertos no TorredeMoncorvoinBlog, como por exemplo: http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/11/nove-poemas-de-novembro.html

... ou ainda o arrepiante "Stabat Mater", também já nosso conhecido:

http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/06/stabat-mater.html

ou outros mais ainda, só agora saídos à luz do dia... Mas fazer aqui mais excertos tiraria o prazer da leitura, agora encadeada, no delicado suporte de papel, que é, também ele, uma cuidada obra de arte, no formato e nos acabamentos, começando pelo tom de amarelo-dourado da capa. Este é o primeiro título de uma nova colecção de poesia, com a chancela da Âncora, denominada "Universos". Parabéns também ao editor pela ousadia e...

Obrigado Rogério (aliás, Pedro Castelhano), por este presente de Primavera em dia de S. José!

Texto: N.Campos
Fotos: N.Campos e Higino Tavares

____

Para quem quiser ler o livro aqui referido, pode requisitá-lo na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, ou adquiri-lo na livraria Clássica, nesta vila. Os interessados residentes em outras paragens, podem contactar a Âncola Editora, Aven. Infante Santo, 52, 3º esqº. 1350-179 Lisboa - ancora.editora@ancora-editora.pt e nas livrarias da especialidade.

segunda-feira, 14 de março de 2011

"(Re)cantos d'Amar Morto" de Pedro Castelhano, para o feriado municipal


A Câmara Municipal de Torre de Moncorvo promove o lançamento do livro de poesia "(Re)cantos d'Amar Morto", de Pedro Castelhano (aliás Rogério Rodrigues), no próximo dia 19 de Março (sábado), feriado municipal de Torre de Moncorvo (clicar sobre o convite acima).
O autor dispensa apresentações, pois que se trata do distinto jornalista e homem de Letras Rogério Rodrigues, oriundo do Peredo dos Castelhanos (daí o anagrama /pseudónimo), colaborador do nosso blogue (ver série de post's sobre a República e Maçonaria, editados entre 9 e 14 de Dezembro de 2010).
Depois do já longínquo "Livro de Visitas" (de 1972) Rogério Rodrigues pouca poesia publicou, apesar de sabermos que continuou a cultivar a musa poética, tendo produzido assombrosos poemas, distribuídos aos amigos, ou editados na blogosfera, em que se inclui o nosso blogue (ver, por exemplo o fantástico Poema de Natal aqui editado em 16.12.2010).
É, assim, com grande curiosidade que, no próximo dia 19, teremos ensejo de ver esses poemas saídos da gaveta.
A apresentação da obra e do autor estará a cargo do distinto professor universitário e homem de Letras Amadeu Ferreira, vice-presidente da CMVM, natural de Sendim (terras de Miranda do Douro). Refira-se, a título informativo, que Amadeu Ferreira foi (e é) o grande paladino da língua mirandesa, sendo mentor da lei que reconheceu o mirandês como 2ª. língua oficial em Portugal. É também escritor e poeta, com alguma obras em mirandês, editadas com o pseudónimo de Francisco Niêbro.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ainda a flor da amendoeira...

Grande el riesgo que tu corres
Flor de almendro la primera
Con tu amanecer temprano
Anuncias la primavera.
Comenta una leyenda en Portugal
Que una rubia casó con un sultán.
Trasosmontes portugueses
Laderas de aceite y vino
De almendros y naranjales
De corazones amigos.
Triste la princesa siempre estaba
En su nuevo país nunca nevaba.
Flor de almendro flor de un día
Flor de delicado aroma
Flor de almendro flor de un día
El Duero a tus pies asoma.
Viendo el sultán tantos sollozos
Plantó una ladera de allozos.
................................................
por: Marquès de los Mojones
Pode ler a totalidade deste belíssimo poema na língua original (castelhano), no blogue do nosso amigo Ángel Garcia, que, de resto, é quem melhor poderá explicar quem é o inspirado poeta salamantino M. de los Mojones:

http://labodegadelasolana.blogspot.com/2010/02/la-flor-del-almendro-y-unos-amigos.html

Tradução para português, em: http://torre-moncorvo.blogspot.com/2010/03/lenda-das-amendoeiras-numa-versao.html

.

Nota: as fotografias são de autoria do nosso amigo António Rómulo Duque (ilustre felgarense a residir e a trabalhar em Braga, a quem agradecemos a cedência destas imagens).

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Ainda um poema natalício...

E porque Natal é sempre que um homem quiser, aqui fica um poema natalício que nos foi enviado, com mensagem de Boas Festas, pela nossa Amiga, conterrânea e visitante assídua do blogue, Esperança Moreno (ilustre atriz do grupo Alma de Ferro), o qual ficou lamentavelmente esquecido dentro do sapatinho do menino "Torre.Moncorvo blog", de onde só agora o repescámos. Com os nossos agradecimentos e votos de um bom ano para a Esperança e para todos os nossos visitantes (que de "Esperança" bem nós precisamos!)
Então aqui vai:

.

É Natal cai o Nevão

No seu quarto agasalhados

O padrinho e o João, dormem muito sossegados.

.

O vento tanto ralha, tanto brama

Que o Padrinho apavorado

Acorda na sua cama...

.

e diz logo ouvindo tal:

- Eu já sei o que isto é,

deve ser o Pai Natal

a descer pela chaminé..?!!!

.

Com este Conto de Natal, da sabedoria da minha mãe que me presenteava todos os Natais, em tempos escassos dessa altura. (...)

Esperança Moreno

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Quadros da Emigração - Natal

Quintas do Corisco: O Freixo que durante gerações tem sido esgalhado fundamentalmente para apascentar o rebanho e que, assim o ano o permita, bebe as águas férreas do ribeiro que lhe molha as raízes.


A ancestralidade grandíloqua do Freixo altaneiro que me saúda pela manhã no ecrã do computador apaziguou-me neste Natal a ansiedade que se gera em mim quando não o visito nesta quadra. Apesar de saber de antemão que me esquivarei ao torrão nativo, afinal a minha casa, o meu lar e a minha família também são doutros lugares, não tenho conseguido em anos consecutivos dissipar a apreensão e a vontade de partir. Acabo sempre por fazer a viagem na hora de preparar o Natal. Este ano comecei pela Árvore Ambrosíaca. Às vezes é assim: não me chega ir a Londres buscar o bacalhau, o polvo congelado e as tronchudas. O que desta vez ainda nem fiz!


ÁRVORE de NATAL

Espreito o Freixo
da janela da tecnologia
e do progresso
e apetece-me ataviá-lo
com os enfeites
do Natal:
clicaria sobre a Estrela mais brilhante
que o alumiasse
até à raiz da penumbra,
a Geada que lhe pintasse de branco
o verde-escuro das folhas,
e os sulcos profundos
do velho tronco rugoso
donde jorraria a Ambrosia
para a Consoada da Humanidade.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Poema de Natal, por Pedro Castelhano

Quando o Natal chegar...

Quando o Natal chegar
liberta o pirilampo e liberta a Luz
arruma a ternura e arruma a casa.
E areja o sótão da tua infância.
Quando o Natal chegar
dá música aos surdos
e palavra aos mudos
afaga laranjas nas mãos frias
e figos secos ao luar
e amêndoas de Agosto a quem chegar
e limões, e ácidos limões, em teu lugar.

Quando o Natal chegar
à beira do rio olha a outra margem
cheia de sombras, pedras e perdas
e abre os braços, colunas e pontes
e começa a tocar a alma qual piano
na translúcida mágoa de nada tocar.

Quando o Natal chegar
Jesus já passou sem passar
na barca do tempo, entre margens
sem rio, mas à beira de naufragar.
Quando o Natal chegar
não leves granadas para casa
nem bombas para qualquer lugar.
Caça pombas ao anoitecer, morcegos
da tristeza e olhares cegos de vazios.

Quando o Natal chegar
olha os filhos como se só
então nascessem
e os dias fossem cristais
partindo grãos de romã,
tão sensíveis ao ouvido
mas sem pena nem sentido.

Quando o Natal chegar
adormece à beira dos violinos
com a loucura dos deuses
e a tristeza do Mozart.
Que os deuses devem estar loucos
porque a lareira está-se a apagar.

Quando o Natal chegar
cuida das prendas e ofertas
aos que nunca mais vão chegar.
Entre pedras e perdas
guarda o amor de guardar
que a face da mãe ondeia
e o pai adormece a lacrimejar.

Quando o Natal chegar
a nordeste de tudo, mais vale
encher o saco de Nada
e percorrer a noite, até ao abrigo
dos campos da quimera calcinada.
Com o saco cheio de Nada
visita Iraque e o Afeganistão.
Toca às portas da Palestina
e canta dor às portas da prisão.

Quando o Natal chegar
enche o saco de Nada.
Pode ser que por tanto Nada
algo te queiram dar:
um filho, um sorriso, talvez luar.

Quando o Natal chegar
talvez amor e amar.
Dádiva por dádiva,
aceita, é de aceitar.

por: Pedro Castelhano

- Felicidades
e
um Natal partilhado !

Foto: N.Campos

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ANDORINHA

Ao abrigo do Programa Ciência Viva organizado pelo PARM surgem mais estes magros versos a libertarem-me a ânsia de ser aquela ANDORINHA!


ANDORINHA

Andorinha, andorinha
que não migras!

Que da esquálida caverna
espreitas os meses de invernia
no aconchego da bojuda galeria
e, hirta, conservas na lembrança
o sussurro mansinho
do marulhar das águas da ribeira
e a cantiga das cigarras a ondular
sobre as dobras gastas das montanhas.

Andorinha, andorinha
que não migras!

Que na Primavera
és a primeira a abandonar o ninho
para abraçares,
com a tua plumagem negra
e o branco do teu peito,
o lado oposto da escarpa,
carregando contigo a ponte invisível
da Fraga do Arco.

Andorinha, andorinha
que não migras!...
Fotografias: Ninho da Andorinha e Fraga do Arco cedidas pelo PARM.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quadros da Emigração - Richmond Park

Mutilação

No topo da colina
sobranceiro e de vigia
mandou que me sentasse.


Tronco forte, robusto e
a brotar seiva,
mais orvalhada ainda
do que a do corte da cabaça,
tem mantido a compostura,
porque bebe nas raízes
da imponente e altiva árvore
que lhe deu a vida.
9 anos se escoaram:
chuva abundante,
neve e geada fria
trespassaram-no
todos os dias.



Agora, sento-me tranquila,
na verdura pascente,
a apreciar-lhe o miolo esfarelado
onde nascem cogumelos
a sugar-lhe o sangue todo
e que, inadvertidamente,
as crianças arrancam.



Assim, compadecida
do seu e do meu sofrimento
desço melhor à Origem
onde se enterra
nosso Tormento.
Isabel Mateus


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Valha-nos Santo António!

Imagem de Santo António guardada na sacristia da igreja matriz de T. de Moncorvo (foto R.Leonardo)

"Ó meu querido Santo António

já que és tão milagreiro

Para pagar às Finanças

Manda-nos muito dinheiro".

por: MARIA CARMELINA FERNANDES,

in Lágrimas e sorrisos, ed. Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, 2001

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pujança absoluta - por Isabel Mateus

Rebentaram todas as nascentes e a água escoa-se livremente nas direcções talhadas pelo homem ou pelo seu próprio ímpeto

A pujança ABSOLUTA!

De manhã, ao acordar,

A sonoridade insistente e ruidosa

Dos pardais

Disputava o murmurejar de todas as nascentes.

O kuku do cuco

Espraiava-se pela tarde quente

A respirar a Primavera

Na flor da urze,

Na mera da esteva

E no cor-de-vinho da arçã.

O meu apetite da infância

Consumou-se na salada de azedas

Que arranquei à parede

E levei, num manhuço,

À hora do almoço,

Para dentro de casa.

Fonte do lameiro escavada na fraga e coberta pela lousa, cuja vegetação espessa lhe suga as entranhas.

O viço das azedas.
A inércia do Homem e a exuberância da Natureza. Se ainda por aqui andasse a Ti Grabulha, levantaria pedra por pedra até a pia dos porcos voltar a ter serventia.
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por: Isabel Fidalgo Mateus (poema, fotos e legendas)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ana Moura, Patxi Andión, Pessoa e Moncorvo

Imagens que o olhar tem saboreado em Torre de Moncorvo e que encontraram um canto para seu embalo.

João Costa

sexta-feira, 5 de março de 2010

Conforme as Estações


No Verão as montanhas

Espreguiçam-se na sua imensidão

O céu confunde nas suas entranhas

O amarelo do trigo com sofreguidão

O trigo ceifado

As folhas mortas cobrem o chão

Com as primeiras águas ainda de Verão

Os homens rasgam a terra apoiados ao arado

Caem as geadas certeiras

Rompe o dia com ar cortante

No entanto, com carácter persistente e entusiasmante

As azeitonas são apanhadas das oliveiras

A neve derretida

Brilha o sol no ar

Forçando as amendoeiras a desabrochar

E derramando-se o perfume como coisa prometida.

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Assim aparece Trás-os-Montes… (Isabel Mateus, Évora,1987)

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Este foi o poema com que, aos 18 anos, retratei o Portugal rural transmontano, a Minha Terra, no Alentejo, no Jornal de Parede do Lar dos Trigais da Ordem das Doroteias. Poema singelo, descritivo, a emanar autenticidade, brilho e, principalmente, a determinação, coragem e o sacrifício das suas gentes. Talvez por isso, para as recompensar do trabalho árduo e constante ao longo das estações do ano, não considerei a correria desenfreada das águas das ribeiras, nem a “Rebofa”, que este ano, como noutros, também por estes lados acontecem. Pelo contrário, a ênfase recaiu de supetão na essência de Trás-os-Montes: a flor branca ou ligeiramente rósea das amendoeiras.

Afinal, elas são a metamorfose do homem transmontano!

Vale a pena visitar Trás-os-Montes, o homem e a sua flora nesta época do ano!...

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Textos de: ISABEL MATEUS

Fotografias: JOÃO PINTO V. COSTA