Em 10 de Abril de 1907 Guerra Junqueiro é condenado pelo tribunal do Porto a 50 dias de prisão, por ter injuriado o rei no jornal A Voz Pública (2 de Nov.º de 2005).
Defesa perante o tribunal
“Acusam-me de injúrias ao rei de Portugal. Porquê? Porque chamei à sua realeza uma tirania de engorda e vista baixa. Injuriar é caluniar. Sendo incapaz de calúnias, sou incapaz de injúrias. [...]
Eu não aludo à vida íntima do Sr. D. Carlos. Aludo, é o meu direito e o meu dever, à sua vida de monarca. Ora a história do rei de Portugal, a todos manifesta, em quatro palavras se desenha: Incúrias e desmandos, arbítrios e bocejos. É a verdade clara, verdade autêntica, verdadeira, sinistra. [...]
Eu bradei-a e hei-de bradá-la até à morte. Quem mo impede? A lei? Se a lei, diante dos actos de um homem, nocivos à existência de quatro milhões de criaturas, me tolhe o direito de os combater e condenar, se a lei me obriga a ser injusto e a ser indigno, renego a lei, odeio a lei e não a cumpro. Porque não há lei de tirania que me obrigue a faltar à lei suprema da verdade. [...]
Todas as tiranias são execrandas, porém esta, que nos calca, além de execranda, é vergonhosa. Não lhe movem sequer as fúrias, nem a ambição de uma grandeza terrena nem as labaredas de um fanatismo alucinado. Não dilata os olhos nem para Deus nem para o mundo. Crava-os unicamente em si, no seu egoísmo céptico e vulgar. É, renovo a frase, a tirania de engorda e de vista baixa. [...]
Jesus, o santo ideal, o santo misericordioso, invectivava os déspotas, os fariseus e os escribas, com palavras candentes de indignação e de rigor. Perdoou injúrias e suplícios, sacrificando-lhes a verdade. A verdade bradou-a inexoravelmente, e por ela morreu, de morte infame e divina, entre dois ladrões. Amarga-me a boca a palavra ódio, mas articulo-a aqui, diante dos homens e de Deus, sem contrição e sem temor. Eu odeio o Sr. D. Carlos, não com ódio sangrento ou com ódio de orgulho e de vingança. O meu ódio é bom, conforta-me e consola-me. Odeio o rei, porque amo a verdade e a minha Pátria.”
[GUERRA JUNQUEIRO]
[A Voz Pública. Porto, 11 Abr. 1907]
In: “1907 - No advento da República “ : mostra bibliográfica/ [ org.] Biblioteca Nacional; apresent. Jorge Couto; coord. Manuela Rêgo; Lisboa; BN, 2007; pp. 43-45
Nota: a gravura a cores que ilustra o "post" tem a ver com a questão da nova bandeira de Portugal, sendo, por isso, posterior a 1910, ou seja, posterior ao julgamento que aqui se descreve. É sabido que Junqueiro defendia a manutenção das cores azul e branca com o escudo das quinas, embora sem a coroa real, obviamente (fotografia da gravura de João Costa, a partir de reprodução que integrou uma exposição organizada pelo Sr. Arquitecto Keil do Amaral, inaugurada em 10 de Junho de 2008 no Museu do Ferro e da Região de Moncorvo)