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quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Rogério /Pedro Castelhano, Antologia - Poemas para as mulheres de Moncorvo

Correspondendo ao apelo, a nossa colaboradora Manuela Aleixo enviou-nos mais três poemas do Rogério, aliás, Pedro Castelhano, dois dos quais julgamos inéditos, escritos em 2001. O primeiro, "Femina, Femina", foi depois publicado em "(Re)cantos d'amar morto" (2011), p. 42. 
Neste livro seguem-se outros poemas testemunhando o apreço do autor pelo papel da mulher e o seu encanto, como, por exemplo, "Sortilégio de mulher" (p. 43) e "Do quotidiano" (p. 47).
Para melhor contextualizar este ramalhete de poemas ofertado a um grupo de mulheres de Moncorvo a fim de serem lidos num jantar de convívio, aqui fica o bilhete autógrafo do Rogério, datado de 18.06.2001, então enviado à Nela Aleixo, através de um portador, assim como um excerto do mail que agora dela recebemos:

«(...) De resto, tenho 3 poemas mais (seguem em anexo) que o Rogério me deu para gravar na Rádio Moncorvo destinados a abrir o jantar de Gineceu que inventei em 2001 (fizeram-se apenas 3) e foram lidos por mim e pela Luz Moutinho. A gravação foi para o ar durante o aperitivo. Sei que ele gostou muito da iniciativa desse jantar e quis participar dessa forma.»

Acresce dizer que o Rogério era um gentleman, muito delicado com as senhoras.

Agradecendo a generosa colaboração, aqui ficam, com a devida vénia: 




Femina, Femina...

Em homenagem a Natália Correia que sustentou estes versos.

Deram-nos uma rosa e um direito
Um voto e um sonho imperfeito

Deram-nos a mão como quem afaga
Mas com olhar de ferro e carícia de fraga

Deram-nos canções e paisagens
Com venenos mansos e falsas imagens.

Deram-nos um mapa branco e uma geografia
De países distantes e felizes mas que já não havia.

Deram-nos a palavra desde que falar não fosse falado
E de grito abafado morríamos de silêncio apagado.

Deram-nos deuses e frutos do paraíso
Deram-nos a noção de pecado e a culpa do seu juízo.

Deram-nos a guerra como quem a paz concede.
Deram-nos a noite com manhãs de eterna sede.

Deram-nos a nudez e o vestido flutuante
A flauta e a lira e o som dissonante.

Deram-nos abrigo quando estávamos protegidas
Amoras agrestes para o resto das nossas vidas.

Deram-nos o sinal da Luz, mas de passagem.
Toda a eterna e dada luz não passava de miragem.

Deram-nos um corpo e um conteúdo.
Nada mais nos deram. Chegou a hora de exigir tudo.

- Pedro Castelhano

 * * *

Panfleto

Mulher sou e não há lua nem fulgor
De cometa que se receia.
Mulher de raiz
Que é como quem diz
De corpo e alma cheia.

Mulher sou todos os dias
Aqueles em que tu existias e não havias.
Todos os dias antes e depois
Como um futuro passado a dois
E um presente passado em que me dôo
E te dois.
Mas futuro sempre por que mulher sou
E nada mais magoa
Que o fio de água que ainda soa
Na fonte que já secou...

Mulher sou segundo a condição e o destino,
Com o Sol nas mãos a queimar o violino.
Nada mais sou que mulher
A certeza de o ser
E um gesto, um simples gesto
De olhar para amanhã
Na esperança vâ
Do Grande Sonho acontecer.
É um gesto, é um débil gesto.
Mas sou mulher. E como mulher protesto.

- Pedro Castelhano


* * *
Quotidiano

Todas as mulheres levavam flores
E um rosto triste
De  regresso a casa que os filhos
Estavam a chegar.
Todas as mulheres sonharam um sonho
Antes de chegar a casa
Onde os filhos estavam a chegar.
Ninguém as via de rosto triste
Apenas no olhar uma flor a murchar
E todas as mulheres levavam flores
Antes de chegar a casa
Onde tudo demora a chegar.

Acenderam o fogão
E o lume não era o nascer do Sol
Puseram a mesa
E a toalha não era a manhã prometida
E comeram e todos comeram
Com a poesia na arca frigorífica
E o sonho congelado
E a vida que não havia meio de chegar.

E naquela noite a mulher apagou o televisor
Beijou na cama os filhos
Fechou a luz
E recomeçou a sonhar:
Amanhã, é mesmo amanhã que a flor vai ressuscitar!

-Pedro Castelhano


terça-feira, 15 de outubro de 2019

Rogério Rodrigues, Antologia - "Ouvindo Fausto num bar do interior" (2004)

O nosso amigo António Cristino, do Felgar, que foi aluno de Rogério Rodrigues na Escola Secundária de Moncorvo e seu leitor e admirador convicto, guardou este belíssimo texto publicado em 27.12.2004 em A Capital, onde então era sub-director.
A cena é digna de um filme de Truffaut. Nestes solilóquios temos a escrita poderosa de Rogério Rodrigues no seu melhor, repassada de uma nota de tristeza, de melancolia, de uma solitude pesarosa face ao abandonado burgo onde já nem cães nem gatos se vêm e onde encontra uma única personagem (presente) e outra, um músico distante, só presente pela melodia e pelo vínculo pessoal que o une ao ouvinte anónimo que afinal é um amigo solitário que aterrou noutra galáxia.

Apelamos a outros leitores que possuam artigos dispersos do Rogério que nos enviem para este blogue. E porque não criarmos um Círculo de Amigos do RR, de forma a mantermos viva a sua presença através da sua obra? - Fica lançado o repto.

Obrigado, António Cristino, pela partilha.
(clicar para AMPLIAR)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A propósito de "(Re)cantos" & “Ars Vivendi”...
















Num certo dia de Janeiro de 2013 fui com o Rogério a Miranda do Douro visitar o nosso Amigo Amadeu Ferreira que estava lá de passagem. Dia curto e frio, depressa anoiteceu e deu para ajantarar.
Havia pouco tempo que tinha saído à luz do dia o segundo livro da colecção "UniVersos", bem à altura do primeiro, os "(Re)cantos..." de Pedro Castelhano. Tratava-se de "Ars Vivendi, ars moriendi", outra grandiosa obra, em mirandês, de autoria de Amadeu Ferreira, aliás, Francisco Niêbro, com a tradução para "pertués" feita pelo Rogério. - Li-o pelo natal de 2012, como prenda antecipada que o autor me fez chegar, quase de chôfre, ainda que haurindo cada verso e bebericando cada poema, nesse inverno frio e chuvoso. Aqueceu-me a alma, mas gelou-me o espírito, sobretudo porque, parece, essa "Ars moriendi" e a assombrosa visita aos mortos (os de Sendim, como aos fantasmas do Castelo de Algoso, ou ainda ao túmulo de D. Nuno Martins de Chacim) se viria a tornar como que premonitória do que haveria de acontecer a Amadeu Ferreira, a via sacra que o levaria ao calvário.
Mas então não se pensava nisso e eles, os colossos, estavam ali tão presentes e vivinhos da silva, que outra coisa não passava pela cabeça senão a grandeza daquela poesia a brotar das raízes milenares da Terra Quente e da Terra Fria trasmontana, esta mais concretamente do vetusto planalto mirandês. E a mim, fraco aprendiz, perante estros consumados, só me restava escutar e tentar absorver o mais possível esses momentos tão especiais.
Contudo, sabendo quão volátil é o Tempo, não resisti a eternizar esse encontro, irmanando os dois autores, com tantos pontos de contacto entre si, num modestíssimo escrito desses que se metem na gaveta pela má qualidade à espera que o tempo os apague. Talvez aí devesse permanecer, pois que não interessa a ninguém, mas porque acho que não levei a máquina fotográfica, fica apenas este instantâneo, não tanto do encontro, como por ter sido rabiscado pouco tempo após a leitura dessas duas obras maiores da poética transmontana contemporânea.

Com data de 11.01.2013, aqui fica então o registo a que me refiro do memorável dia:


“Ars Vivendi” de F. Niêbro & “(Re)Cantos” de P. Castelhano
Abencerragens na charneira entre o Velho Mundo e o Ser-Estar-Sentir da Urbe, esta cada vez mais um somatório de não-lugares, ou o não-lugar (a expressão devo-a a M. Augé) por excelência, Francisco Niêbro, como Pedro Castelhano e poucos mais, são autores/personagens de transição, e, como tal, carregando todo o Saber das ancestralidades para além da Sapiência haurida da cultura erudita caldeada numa visão cosmopolita que a descida da Montanha obviamente propiciou, que nem tudo é mau nesse mergulhar nas Urbes e na aldeia global.
Todavia, quando passarem, como todos nós passaremos, nesta indefectível voragem a que se chama Lei da Vida, o que ficará? Só o Urbanóidismo, a cultura urbana indistinta… Não falo da Lhéngua, de vocábulos, de vivências (de raiz rural/agrícola). Falo de um sentir. Decerto “o mundo ficará mais pobre”, como disse/escreveu um etnólogo, Ernesto Veiga de Oliveira, num célebre artigo, ao evocar os tamborileiros em extinção (como o mirandês Virgílio Cristal), os tocadores de flauta ou viola bandurra… Tal como neste caso só pelas gravações hodiernas podemos tocar tenuemente o Velho Mundo, também só pelos vossos escritos poderemos (ou poderão os urbanóides do Futuro) ter uma pálida imagem desse/deste tempo de charneira, quais Atlantes que carregais (ainda) esse Mundo às carrancholas…
Muito haveria a escalpelizar, nestas Ars Vivendi/Moriendi, como nos (Re)Cantos d’Amar Morto. Não tendo eu competência para tanto, limito-me a sentir esses poemas e perder-me neles, como quem penetra nos interstícios das fragas ou pula os espigornos (piorneiras), gestas (giestas), urzes e restolhos…  São cousas bem sentidas, e tento sentir-me com elas, sem precisar de munto esforço. – São duas obras maiores e que de certo modo se complementam e bem irmanam nestes UniVersos da Âncora.
Bem Hajam!
Henrique de Campos

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Adeus Rogério...

Foto de N.Campos 2007
Abrimos um parentsis na inactividade deste blogue para participar o falecimento do nosso colaborador e Amigo Rogério Augusto Rodrigues, no final do dia 8 de Outubro de 2019, o que nos causou a maior dor e consternação.

Rogério Rodrigues nasceu no Peredo dos Castelhanos, em 17.02.1947, filho do Sr. António Rodrigues ("Carró") e D. Cândida Andrade. De tenra idade seguiu para o mítico seminário de S. José, em Macau, experiência que muito o marcou (negativamente). Licenciado em Letras, leccionou na Escola Industrial e Comercial de Torre de Moncorvo, antes de seguir a carreira jornalística. Destacou-se como jornalista no semanário O Jornal (onde foi colega de outro moncorvense, do Felgar, Afonso Praça, também já falecido). Esteve na criação da revista Visão e do jornal O Público, tendo ainda dirigido o jornal Grande Amadora e sendo sub-director do jornal A Capital, entre outros projectos jornalísticos, além de colaboração dispersa na imprensa regional. Fundou, com Pacheco Pereira, a revista "Estudos sobre o comunismo", sendo ambos considerados os maiores especialistas sobre a história do PCP.
Colaborou em documentários, programas de rádio e TV e na blogosfera, nomeadamente no projecto TorredeMoncorvo in Blog e neste espaço (TORRE.moncorvo).

Foi igualmente um reconhecido escritor, de que destacamos o romance "A outra face da morte" (1985) e, em poesia, "Livro de Visitas" (1972) e o extraordinário "(Re)Cantos de Amar Morto" (2011).

Fez parte do júri de vários prémios literários e apresentou inúmeros livros de autores diversos, sobretudo amigos, a quem não era capaz de dizer que não. Depois de aposentado, as solicitações a este nível foram mais do que muitas, sobretudo na sua terra de origem, com presença marcada no auditório da Biblioteca Municipal.

Sem prejuízo de podermos (e devermos) elaborar um depoimento mais circunstanciado sobre a sua pessoa, vulto maior do jornalismo e das letras portuguesas, aqui deixamos alguns links com depoimentos de quem também o conheceu e privou com ele:

https://www.noticiasaominuto.com/pais/1335948/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues - fonte: Agência Lusa

https://www.rtp.pt/noticias/pais/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues_a1178061 - por Antena 1

https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues-11386662.html - por Nuno Domingues com Rita Carvalho Pereira e Catarina Maldonado Vasconcelos

https://www.jn.pt/artes/media/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues-11387345.html

https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/morreu-rogerio-rodrigues-jornalista-fundador-do-seminario-o-jornal - fonte: Agencia Lusa

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2730700430293626&set=a.158063474224014&type=1&theater - página Facebook do jornalista Luís Osório

https://observador.pt/2019/10/09/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues/ - por Ana Kotowicz

https://www.publico.pt/2019/10/09/sociedade/noticia/morreu-jornalista-rogerio-rodrigues-1889382

https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues

https://www.municipiosefreguesias.pt/noticia/55187/faleceu-rogerio-rodrigues

https://tvi24.iol.pt/sociedade/obito/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues

https://www.airinformacao.pt/2019/10/09/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues/

https://maisribatejo.pt/2019/10/12/saudades-do-rogerio/?fbclid=IwAR37AukKjkUtCse5lPOv9OhgG7nb4F5Fk4j6cypVepEaC5UylfgAtACHKFI - por Fernando Paulouro

https://www.mundoportugues.pt/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues/

https://www.jornalnordeste.com/opiniao/memoria-do-rogerio - por Ernesto Rodrigues

https://www.mdb.pt/noticia/morreu-o-jornalista-rogerio-rodrigues - por António G. Rodrigues

https://expresso.pt/sociedade/2019-10-09-Morreu-Rogerio-Rodrigues-o-reporter-exemplar-que-desprezou-honrarias-e-estrelatos - por Hugo Tavares da Silva

https://expresso.pt/sociedade/2019-10-12-Tres-vezes-Rogerio-Rodrigues - por Henrique Monteiro

https://www.sabado.pt/vida/obituario/detalhe/morreu-rogerio-rodrigues-jornalista-fundador-do-semanario-o-jornal


- De onde se conclui que morreu o último grande moncorvense no campo da letras, além de ser uma referência moral que se fazia escutar e respeitar.

Uma Perda irreparável, com a qual morre mais um bocado de nós...


Texto e foto: N.Campos

[Nota: foi feita actualização de links posteriormente à postagem inicial, de 15.10.2019]