Numa primeira linha, como se fossem tropa de elite, as mulheres, sempre as mulheres, dobradas sobre si mesmas e a negrejar no meio da moinha, irrespirável, que se evolava no ar, abraçavam a palha até ao limite do cumprimento dos braços para largarem logo atrás, onde, os homens, em segunda linha de combate e sempre de olhares libidinosos, estendiam os bancelhos húmidos que atavam após o segundo braçado, entretanto largado. Atrás deles, crescia uma segunda meda de fachas de palha que a criançada, entre brincadeiras e trabalho, ia arrastando até ao palheiro que ficava nas proximidades.
A esta azáfama, sem intervalos, juntava-se a canícula em crescendo constante, o suor, as dores que se ignoravam, o comunicar aos ouvidos em altos berros para porque só assim as palavras se sobrepunham ao barulho. Nessa struggle of life darwiniana, porque era disso que se tratava, era, sem dúvida, uma autêntica luta pela sobrevivência, embora num outro conceito, bem entendido. As palavras são parcas e as metáforas pobres para transmitir os sentimentos de tortura e, paradoxalmente, de alegria a que estes marinheiros se auto-impuseram. Foram condenados às galés que morreram sem nunca ver o mar, mas que foram capazes de o cantar e de se deixar enlevar pelo ondular das searas batidas pela brisa vespertina.
Esses condenados cumpriram em toda a sua plenitude o mito de Sísifo. A pedra estava agora no cimo do monte, prestes a rebolar novamente até à base, e nessa rotina monótona dos mortais, tudo olvidaram numa merenda devorada à sombra da meda, e um vinho escarrapento que saboreavam com estalidos da língua.
António Sá Gué
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1 comentário:
Cada vez melhor, António!...
Vai em crescendo, esta epopeia das segadas... qual seara de vento, qual Redol, qual Manuel da Fonseca!... - trabalho árduo de formiga executavam estes levantados do chão, do "seu" chão, à ilharga da problemática latifúndio/colectivismo de terras do Sul... Por isso, talvez, o Neo-realismo a estes não (en)cantou...
n.
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