domingo, 19 de junho de 2011

Quadros da transmontaneidade (49)

Ainda se arreliou. Assim, de repente, ter que chamar toda a família, e não só, para o ajudarem na tarefa hercúlea que é fazer a malhada, é sempre uma chatice. Já todos tinham a vida estipulada para o dia seguinte e ter de alterar os planos provocava-lhes sempre pequenas maçadas que se resolviam rapidamente, mas nem por disso deixavam de fazer esgares de contratempos mais ou menos visíveis e até ruidosos.
A mulher, a Zulmira, também não fugiu a essas preocupações. Fartou-se de rogar pragas, benignas, à malhadeira, que não tinha culpa nenhuma, ao dono da malhadeira, que nenhuma culpa tinha, ao “home”, a todos… Ter que arranjar a merenda há última da hora era sempre uma fona que muito a incomodava: ele era o bacalhau para fritar que não tinha e era preciso mercar ao soto do Júlio Castanho, ele eram os ovos que lhe faltavam porque as pitas não puseram, ele era o queijo já muito duro, os tomates para a salada que era preciso colher na horta da Choura, o ramo de salsa, o sal que se acabou e teve que pedir à vizinha, a cântara de água que era preciso carrejar… Um sem número de tarefas que só terminou já pela noite dentro. Mas tudo se amanhou.
Na manhã seguinte tudo estava pronto. A solidariedade da família e dos amigos também não falhou. O Abílio Laranjeiro, enquanto chegava a chusma, e se aprontava, introduzia nas rótulas da malhadeira massa consistente. O ti Marcolino, em cima do tractor e de cabeça completamente voltada para trás, como fazem as galinhas, esticava a correia principal da preciosa máquina.


Continua...

António Sá Gué

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Sá Gué:

Gostei muito deste seu texto, como aliás, gosto de tudo o que o meu amigo escreve. São, de facto, "pequenas-grandes" coisas, mas delas se faz o dia-a-dia e do dia-a-dia se faz a vida.

Um grande abraço
Júlia

António Sá Gué disse...

Sem dúvida!
Obrigado pelo apoio.

Abraço,