segunda-feira, 21 de março de 2011

Poesia de PedroCastelhano (Rogério Rodrigues), apresentada no passado Sábado em Moncorvo

O auditório da biblioteca municipal foi pequeno, no passado Sábado à tarde, durante a apresentação do livro de poesia de Pedro Castelhano (aliás Rogério Rodrigues), evento aqui anunciado, no âmbito das comemorações do Feriado Municipal de Torre de Moncorvo.
Tendo usado primeiro da palavra o Sr. Presidente da Câmara, Engº. Aires Ferreira, e o editor, Dr. A. Baptista Lopes (editora Âncora), a análise aprofundada da obra e do autor couberam ao distinto Homem de Letras, Prof. Doutor Amadeu Ferreira.
No final, o autor encerrou com algumas palavras sobre os contextos em que foi produzindo este material poético, fruto da sua "carpintaria" literária, mencionando as referências que lhe serviram de inspiração (Luisa Neto Jorge, Jorge de Sena e outros). Citando Sena, afirmou que "a Poesia é talvez a coisa mais inútil que há, mas não conheço nada mais importante".

Tribuna - a contar da esquerda. doutor Amadeu Ferreira, dr. Rogério Rodrigues, engº Aires Ferreira, drª. Helena Pontes, dr. Baptista Lopes
Começando pelo pseudónimo, Pedro Castelhano, Amadeu Ferreira esclareceu que se trata de um anagrama de Peredo dos Castelhanos (aldeia do concelho de Torre de Moncorvo), terra de naturalidade do autor, o que constitui também uma homenagem do Poeta ao cantinho de onde é oriundo.
Escalpelizando depois o título - "(Re)cantos d'Amar Morto" - o apresentador afirmou que o mesmo é susceptível de uma decomposição, vendo aí as noções de "Recanto" (lugar esconso), de "canto", não só por alusão ao verbo poético mas também o "canto" significando "bloco talhado". Há depois as ideias de "Amar"/amor e "Morte"/morto. E conclui que tudo isso está no livro, em que perpassa o amor ao rincão natal de que o autor foi arrancado, como outros trasmontanos, e transplantado para a Urbe, se bem que não haja aqui um telurismo torguiano, porque na verdade, no dizer do autor: "regresso à terra de onde nunca cheguei a partir" (Torga escrevera: "Regresso às terras de onde me roubaram...")
Da nossa parte poderíamos ainda acrescentar aqui a esta análise do título feita por Amadeu Ferreira, um outro conceito que nos parece aí contido: o de "Mar Morto", por alusão aos célebres manuscritos achados em Qûmran, que estiveram perdidos durante mais de 2000 anos, e onde se encontra o essencial do pensamento da seita mística (e eremítica) dos Essénios, algures nos desertos da Palestina. Também alguns destes escritos (manuscritos ou não) do Rogério, estiveram como que "perdidos" durante anos, se não dentro de vasos, pelo menos dentro de gavetas. A sua reconstituição permite-nos seguramente conhecer algo do seu pensamento e muito do seu sentir, tal como hoje sabemos dos essénios.
À esquerda, o doutor Amadeu Ferreira faz a análise da obra de Rogério Rodrigues (à direita).
Já por este blogue (e outros que o precederam) conhecíamos um ou outro poema ora reunidos neste livro, pelo que sabíamos de antemão da subida qualidade deste há muito esperado livro. Mas vendo-os agora assim reunidos “em letra de forma”, digamos que o Verbo ganhou outra amplitude. Trata-se, por isso, de um livro incontornável, para quem gosta de Poesia, legível e entendível (sempre dentro dos limites que nos são permitidos pela metáfora), bem ao invés de certa poesia contemporânea que, a nosso ver, chega a ser repulsiva pela ausência de musicalidade e sentido estético, em alguns casos quase ao nível formal da letra das canções "rap"...
Mas, deixemos de lado a nossa opinião, e dêmos voz ao autor, de onde retiramos este excerto magnífico do grandioso poema "Carpe Diem", um escrito crepuscular, de fim de Civilização (romana e/ou Ocidental? eis a questão):

«(...)
Carpe diem
homem que morreste só porque tinhas razão
e o futuro era a tua margem mais próxima.
Olha os desertos que regorgitam de santos
à procura do pecado. De monofisitas,
de idólatras, de iconoclastas. De gente
de sandálias, enquanto o Império cai
e não se determina por certo qual o sexo
dos anjos. Vêm os normandos, vieram
os lombardos, as hordas, as espadas
e Roma resistiu e o Homem sobreviveu.
(...)»

E ainda este excerto do poema à neta:
«(...)
Quando passeares na cidade, não te esqueças das montanhas.
Ali se escondem os espíritos, os abandonados pelo tempo,
os banidos ladrões falhados no assalto à alegria.
Serei uma sombra, um nome vago, um morrer
sem memória. Não serei, Obscuro nulo de nada. Talvez um grão.
Estou de abalada para dentro de mim, sem bornal nem seguro.
Mas como eu sonho que um violino me toque como
se eu fosse o violino e a sua melodia. Flor,
deixa-me os espinhos e respira. Sinto que é brisa.
(...)»

Poderíamos ainda aqui destacar os famosos "Nove Poemas de Novembro", de que o autor já publicara excertos no TorredeMoncorvoinBlog, como por exemplo: http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/11/nove-poemas-de-novembro.html

... ou ainda o arrepiante "Stabat Mater", também já nosso conhecido:

http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/06/stabat-mater.html

ou outros mais ainda, só agora saídos à luz do dia... Mas fazer aqui mais excertos tiraria o prazer da leitura, agora encadeada, no delicado suporte de papel, que é, também ele, uma cuidada obra de arte, no formato e nos acabamentos, começando pelo tom de amarelo-dourado da capa. Este é o primeiro título de uma nova colecção de poesia, com a chancela da Âncora, denominada "Universos". Parabéns também ao editor pela ousadia e...

Obrigado Rogério (aliás, Pedro Castelhano), por este presente de Primavera em dia de S. José!

Texto: N.Campos
Fotos: N.Campos e Higino Tavares

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Para quem quiser ler o livro aqui referido, pode requisitá-lo na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, ou adquiri-lo na livraria Clássica, nesta vila. Os interessados residentes em outras paragens, podem contactar a Âncola Editora, Aven. Infante Santo, 52, 3º esqº. 1350-179 Lisboa - ancora.editora@ancora-editora.pt e nas livrarias da especialidade.

5 comentários:

jose albergaria disse...

Carísimo e prezado amigo,
Foi, de facto, uma jornada cultural primorosa e de grande significado.
Pelo autor.
Filho de Moncorvo, nascido em Peredo dos Castelhanos, um dos seus mais brilhantes filhos.
Até no sentido da sua, dele, autor, reinvidicação dos iluministas, dos poetas alemães, onde foi buscar a sua matriz poética.
No Livro de Visitas, publicado faz agora quarenta anos, e agora neste, que se apresentou e foi apresentado no passado dia 19, Feriado Municipal, e dia de S. José (daí a evocação da carpintaria...):
O seu texto denota, no contributo que nos oferece da desconstrução do titulo do "poemário" do nosso amigo Rogério Rodrigues, além do mais (as competências culturais que se lhe reconhecem...)uma enorme sagacidade: ir buscar os manuscritos de Qumram, do Mar Mortos, a contenção dos Essénios, o ambiente cultural e cultual dessa seita (que então não tinha o sentido pejorativo, que hoje se lhe empresta)é um ângulo deveras interessante, que eu subscrevo inteiramente.
Agora, meu bom amigo, depois de ouvirmos o Dr. Amadeu Ferreira, o poeta Rogério Rodrigues e de o ler a si aqui no blog, não sobram palavras, menos ainda pensamento para falar do imenso poeta que é o R.R. e da sua, dele, apuradíssima poesia.
Carpe diem.
Um abraço de amizade,
J. Albergaria

Anónimo disse...

Obrigado, caro Amigo! Mas é claro que lhe sobram palavras, que todos ansiamos ouvir, para além da notável "exegese" do também não menos notável poeta e homem de letras (portuguesas e mirandesas) Amadeu Ferreira, e do laureado autor, que, num intervalo curto de poucos meses conseguiu encher (e fazer transbordar) dois auditórios cá da terra - o do museu (com esotérico e não menos polémico tema) e agora o da biblioteca, num dia soalheiro de Primavera, com que (tão bem) se celebrou, por antecipação, o Dia Mundial da Poesia. E ainda dizem que ninguém é profeta na sua própria terra!?
Não podia ter sido melhor!
Carpe diem!!
abraço,
N.

isabel disse...

Muitos Parabéns ao ilustre poeta pela sua Poesia. Indubitavelmente, a Poesia é o Verbo!

Espero vir a ler o seu livro em breve!

Abraço,
Isabel

Angel disse...

Al final me fue imposible estar en la presentación, pero pienso recuperarlo un día de estos,con vino incluido.
Un fuerte abrazo a todos y suerte a Rogerio, (aunque trabajando como trabaja no la necesitará).Angel

Júlia Ribeiro disse...

Foi uma hora única ! Um espanto !

Júlia