domingo, 20 de março de 2011

Quadros da transmontaneidade (37)

A ceifa

“Eu também fui segador” – rememorava o Ti Marcolino – “também eu levei a eito longos dias de segada, sem descanso, vergado pela fome nos agostados tapados da Resanha. Também eu limpei muitas vezes o suor da testa, também ela refegada, com o encardido lenço tabaqueiro que me envolvia o cachaço e que, ainda agora, mantém a forma ondulada das searas e a rusticidade afiada das fragas. Também eu saboreei o doce descanso à sombra do velho carrasco, que já só existe no saco de grão bafiento da minha memória. Também eu medi dezenas de vezes com o olhar a largura da courela, sempre em conta de três, três longos regos, porque só a tríade integra a unidade deste dualismo humano do qual não me consigo libertar.”

António Sá Gué

5 comentários:

Anónimo disse...

Um belo texto (mais um!) e um lindo lenço (até parece um pano timorense, ou uma bandeira!!).
Ceifa, ou "segada"?

António Sá Gué disse...

Está correcto, creio, das duas formas?

Anónimo disse...

claro que está, meu bom amigo - o que eu queria perguntar é qual dessas duas palavras se usa mais em Carviçais??
... é como foice e "seitoira" - qual mais usais? (bolas, hoje só me saiem rimas... deve ser contágio do Pedro Castelhano, eheh)

António Sá Gué disse...

Ouvia os dois vocábulos, mas penso que as pessoas mais antigas utilizavam na linguagem corrente mais vezes "segada" e diziam "seitoura".

Júlia Ribeiro disse...

É com um prazer imenso que leio os "Quadros da Transmontaneidade " do Sá gué. É um reviver de memórias e de emoções.

Abraço
Júlia