segunda-feira, 2 de maio de 2011

Quadros da transmontaneidade (43)

As malhas

Quando conheci o Ti Adelino, já não podia com um gato pelo rabo, mas mesmo com aquela idade, nunca deixou de semear. Quando se casou com a Adelina, e nos anos que se seguiram, ainda a força braçal estava com ele, nunca deixou decrua por fazer, nitrato por deitar, sementeira por semear. Afora os anos de pousio, que a terra era pobre e precisava de descansar, nunca permitiu que giesta ou esteva entrasse nos tapados que possuía. Mas agora, agora que já não dava um passo sem dar um “ai”, fazia apenas aqueles que eram dele. Sim, porque nessa altura fazia os dele e os dos outros, alguns, alguns! (quase todos), eram arrendados ao Ti Pinto Rico. Agora, semeava trigo no tapado das Devesas, que tinha recebido de herança dos pais, e de centeio uma courela lá para o lado dos Marmeleiros que tinha mercado ao Ti Joaquim de Mós.
Já tudo lhe custava fazer, até subir ou descer da burra Ruça, que não conseguia fazer sem procurar uma pedra para degrau, era uma canseira, mas ter a tulha vazia era sinónimo de fome. Por isso, arrastava-se na sementeira, na monda, na ceifa, nas malhas nem se fala, mas nunca permitiu que a mulher quisesse amassar e não tivesse grão para moer na moagem do Estácio, que o moinho do Morgado Manco,onde sempre moeu, já não existia.

Continua...

António Sá Gué

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Ainda bem que os "Quadros" estão de volta. Pra mim já são um "must".

Abração
Júlia

Anónimo disse...

Faço minhas as palavras da Drª Júlia! - Estes quadros, misto de evocação ao nível do vivido, de etnografia, e já de arqueologia (porque relatam uma realidade já desaparecida e que os mais novos por completo ignoram), são verdadeiros "depoimentos para memória futura" como agora soe dizer-se em linguarejar forense. Uma vez cerzidos em tomo, serão obra de fino quilate, incontornável monumento a essa trasmontaneidade, conceito que, julgo, terá nascido aqui nos nossos blogues. Para nós, são, de facto, "um must", como diz a Drª Júlia. abraços, N.