quarta-feira, 8 de junho de 2011

Quadros da Emigração – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas


Festa no Consulado Geral de Estrasburgo para as comemorações do Dia de Portugal (4 de Junho de 2011).

Por ocasião da comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas convém salientar que há, quanto a mim, duas entradas no Diário de Miguel Torga que são fundamentais para que possamos apreender o verdadeiro significado da data, isto é, que falar de Portugal e da sua história é sinónimo de dizer diáspora.
Encontrando-se ambas no Diário XV (1990), mas distando dois anos no tempo, é basilar que as abordemos separadamente para lhes atribuirmos o justo valor e para dar crédito à coerência e à integridade das palavras do Autor e da sua obra.
A primeira entrada corresponde ao dia 9 de Junho de 1987 quando o poeta se deslocou a Macau para falar de Camões e por altura da iminente transferência do poder administrativo português daquele território para o Governo da China.
Assim, após expressar a enormidade da incumbência que lhe coube na sua qualidade de Poeta, pois fora o escolhido para falar naquela “hora final para que ela não tivesse fim”, e delinear uma abordagem diacrónica do espírito andarilho dos portugueses pelo mundo, cujo nome Camões atinge o expoente máximo, sintetiza a nossa peregrinação como povo de diáspora nos seguintes termos: “É nossa sina não caber no berço. Desde os primórdios que somos emigrantes. O português pré-histórico já era aventureiro, navegador, missionário, semeador de cultura.” (Miguel Torga, Diário XV)
Na sua perspectiva, só desse modo se pode entender o nosso percurso da aventura marítima e a construção do império proveniente da Empresa dos Descobrimentos. De tal maneira que quando se fala em emigrante a referência embate sempre naquele que o personifica: Luís Vaz de Camões. Aliás, citando ainda Torga “Ser um português acabado é ser ele, pioneiro, bandeirante, apóstolo, traficante, visionário, namorado e poeta.” (Miguel Torga Diário XV)
No meu ponto de vista, este trecho do seu Diário não se pode desmembrar daquilo que escreveu posteriormente na segunda entrada do mesmo Volume, em 1989, relativamente à comemoração de mais um 10 de Junho, mas desta vez coincidente com o Prémio Camões, instituído pelos Governos Português e Brasileiro, com que foi agraciado em Ponta Delgada, nos Açores, contando com a presença de Mário Soares. Pelo contrário. Tecendo aqui novamente um elogio ao emigrante português que classificara, em 1987, como “uma criatura convivente, prestante, diligente e influente, que concilia, congrega, desbrava, cria riqueza, funda instituições benemerentes, semeia humanidade”, situa a efeméride na primeira pessoa com a sua própria vivência de migrante em Minas Gerais, no Brasil, para onde emigra, “aos treze anos, numa madrugada de Outubro de 1920” (José de Melo, Miguel Torga – Fotobiobibliografia, 1995). Tal qual o que sucedeu com os seus antecessores, Torga também contrapõe em desfavor de todas as adversidades que a pátria e o berço lhe impõem e que enumera (“Os dons eram escassos, a saúde traiçoeira, o ambiente irrespirável, e os meus propósitos temerários.”) o que, afinal, lhe moldou a vida:
“Só que morava dentro de mim uma vontade férrea, e o instinto e a razão mandavam-me seguir. Queria ser no mundo, como em letra redonda o declarei, um homem, um artista e um revolucionário.” (Miguel Torga, Diário XV)
Ora, nós, os emigrantes de Hoje somos igualmente o arauto da nossa própria diáspora e seguimos à risca o seu ensinamento. Ou melhor, tomando por paradigma a directriz torguiana, fazemos parte desses portugueses com a herança de Camões e a mesma “vontade férrea” de Miguel Torga. Também nós sentimos o apelo de nos cumprirmos fora da Pátria “e o instinto e a razão” mandou-nos seguir para nos tornarmos nos homens e nas mulheres que ajudam a construir a imagem de Portugal no mundo e que, em simultâneo, enriquecem e dignificam o seu país de origem nas diversas vertentes: a económica, a social, a política e a artística.
Somos orgulhosamente portugueses dentro e fora da Pátria!



Música típica no Consulado (as várias gerações e o mesmo amor a Portugal).

5 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Isabel:

Na véspera do Dia de Camões e de Portugal, venho dar-lhe um abraço imenso, pois vejo em si uma digna representante da Diáspora de que fala.
Deveria ser possível que, no dia 10 de Junho - também Dia das Comunidades - todos os (e)migrantes viessem à terra que os viu nascer. Pelo menos, seria lindo !

Um beijinho à Giulia
Júlia

Anónimo disse...

Olá, Júlia!

Obrigada pelo incentivo e pelo carinho habitual dos seus comentários.
Penso que em espírito estamos todos lá nesse Dia (e nos outros).

Um abraço imenso também para si e a Giulia manda também um beijinho. Cumprimentos aos seus.

Isabel

Anónimo disse...

“Só que morava dentro de mim uma vontade férrea, e o instinto e a razão mandavam-me seguir" - esta citação de Torga patente no post da Isabel, ilustra bem a tal de "pulsão de evasão" que inspira todo o emigrante, português ou não, trasmontano ou não.
Em meu entender, o que dita o desejo de emigrar, seja para país estrangeiro, ou cidade litorenha, é sempre o desejo da melhoria das condições de vida e, ao mesmo tempo (em maior ou menor grau), o desejo de conhecer "novos mundos", por vezes também o desejo de fuga de uma pressão social castradora, associada à tacanhez (e isto será particularmente evidente no que toca à emigração feminina).
Muitas são as motivações da emigração, mas as duas principais creio que são a Fome/melhoria de condições de vida, e o impulso de Evasão em demanda do desconhecido/sentido de aventura.
E é depois, nas paragens longínquas, que o famoso sentimento da Saudade ajuda a corporizar o sentido de identidade, fomentando o gregarismo bem patente no associativismo dos emigrantes lusos e luso-descendentes, seja na Europa, seja nas Américas, mantendo aí acesa uma portugalidade mais sentida e vivida do que porventura a que se encontra nesta terra madrasta, de onde saíram, e que a nós, os que cá ficamos, pouco nos diz, sobretudo em tempos de Crise mais acentuada como a que ora se vive.
Assim sendo, talvez o 10 de Junho seja cada mais uma data vivida com mais força pelos portugueses da diáspora, do que pelos que cá (ainda) se mantêm...
N.

Anónimo disse...

Olá, N.!
Tudo isso é verdade, tudo isso é emigração...
Amanhã vou a Lobndres a uma dessas festas que comemoram o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Penso que normalmente aderem à referida festa mais de 25 mil pessoas... Espero captar o evento nalgumas fotografias e, quiçá, através de algum raciocínio acerca da nossa Diáspora. Em breve, darei mais notícias.

Abraço grande,
Isabel

Anónimo disse...

Viva Isabel!
Espero que a festa da "Portugalidade" em Londres tenha corrido bem. Aguardamos então aqui a reportagem! - encontrou alguém de Moncorvo? (eles andam por toda a parte...)
Aqui fica um abraço para o nosso amigo Toninho Basaloco e família, para o Tó Maria "piteiro", para o Jorge, para o Tó Manel "patachin" e todos os moncorvenses que andam lá fora a lutar pela vida em terras de S. Majestade...
Ah, e obviamente, para a Isabel e exmª. família, aquele abraço,
N.