segunda-feira, 27 de junho de 2011

Quadros da transmontaneidade (50)

- Alto! – berrou o ti Abílio Laranjeiro, enquanto levantava a mão direita, quando lhe pareceu que a correia estava suficientemente esticada.
O ti Marcolino desviou o olhar, acenou com a cabeça e travou a máquina. Colocou-a em ponto morto, rodou o manípulo, e transferiu o movimento do motor para a polia. A correia principal rodou duas vezes mas não foi suficientemente forte para transmitir todo o movimento à pesada traquitana. Destravou, engatou a primeira e forçou mais um pouco. Não andou mais que um pé, mas foi o suficiente para que todos os eixos, todas as bielas, todas as rodas entrassem finalmente em movimento. Já o pessoal se aproximava e logo o ti Abílio Laranjeiro voltou a berrar “alto” quando se apercebeu que a correia desviava fortemente para a direita, e já quase saía da polia. Tudo voltou ao início. O trator voltou atrás, chegou novamente à frente, voltou a esticar, voltou a recuar… sempre a fugir para direita, sempre a procurar o alinhamento correto por tentativa-erro.
Agora sim! Agora, todas as rodas, todas as correias eficientemente se conjugavam, dir-se-ia em jeito taylorista. Agora, uma força qualquer gerava vida no seu âmago e, de bocarra aberta, exibia as pás a oscilarem verticalmente, de forma alternada, como se dessem pontapés na palha que já começava a sair.
O barulho ensurdecia. Os malhadores foram-se distribuindo, espontaneamente, de forma fordiana, em duas linhas. Uma: carrejava os molhos desde a meda tá até à boca de entrada da malhadeira, onde o Abílio Laranjeiro de lenço tabaqueiro atado ao pescoço e a tapar-lhe a boca, os ia introduzindo, um a um, com movimentos laterais, à medida que o ti Belmiro equilibrado em cima da mesa os descarregava na aba direita, já libertos do vencelho que atirava para trás. Outra linha formava-se à saída da palha, em permanente Harmonia com a velocidade da máquina.

(Continua...)

António Sá Gué

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Magnífica a descrição do trabalho dos homens conjugado com o da máquina. O suspense causado pela correia que não queria obedecer . Os termos 'taylorista' e 'fordiano' ajustados às bielas, eixos e polias e que não destoam dos vencelhos nem do lenço tabaqueiro...
Parabéns, Sá Gué.

Júlia

António Sá Gué disse...

Olá Júlia!
Não tenho palavras para lhe agradecer esse seu permanente interesse pelas minhas memórias, bem como por essa sua espontânea e verdadeira análise crítica.

Um abraço,