quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"ATerra do Chiculate ", por Rogério Rodrigues - II

As Novas Gerações

Citando Isabel Mateus: “ Há mesmo quem afirme que os portugueses de França ainda não se libertaram do estigma inicial das suas condições de chegada àquela terra estrangeira e que isso os coíbe de se manifestarem publicamente e perante as autoridades locais”.
Só hoje, em parte pela revolução tecnológica, a terceira geração começa a libertar-se desse estigma, muito embora a sua intervenção política e social, como manifestações de uma cidadania já assumida, seja muito rara. Um pouco mais adiante tentarei reflectir sobre o enquadramento político dos emigrantes na sociedade francesa.
A importância do futebol, neutra em termos de intervenção, mas de auto-estima em termos de identidade, é um facto, quer quando joga a selecção nacional, seja quando os clubes portugueses em pré-época estagiam em países onde há fortes comunidades de emigrantes.
Já na segunda geração havia sinais da libertação da memória e cultura dos seus pais que, raramente lhes revelavam as condições quase desumanas, dos seus primeiros meses de vida em França. Por vergonha talvez e porque assumiram essa experiência como uma realidade degradante, já ultrapassada, mas que era necessário bloquear na memória. Os primeiros emigrantes quando se encontram tentam de algum modo esconder entre si o que individual e colectivamente passaram nos primeiros tempos. Todos eles se reconhecem numa memória silenciada a que só agora, mesmo assim parcialmente foi retirada um pouco da cortina para Isabel Mateus a poder olhar e conservar. Mas o muro ainda não foi destruído, nem a cortina de todo rasgada.
De qualquer modo, o encontro de Metz foi o princípio da catarse. Filhos houve, nesse encontro, que, pela primeira, souberam da saga dos seus pais.






O "Salto", escultura apresentada num dos lançamentos da obra.


Outro tipo de emigrante, não porque a sua condição económica fosse diferente, mas porque já tinha ultrapassado os horizontes da aldeia é o que foi soldado na guerra e desmobilizado e regressado à aldeia se confrontou com um realidade onde ele já não tinha lugar. Além do mato e do medo, conhecera a cidade, formas de vida diferentes, gente de outras regiões com quem contactou e estabeleceu laços de camaradagem. E parte para França ou Alemanha. A desertificação do interior acentua-se. A população diminui drasticamente. Portugal com uma guerra em três frentes de batalha não tem saída. Os ventos da história sopram contra a obstinação portuguesa. A década de 60 é a década por excelência da independência dos povos africanos. E os portugueses reconstroem como mão de obra não qualificada a França e Alemanha cujas infra-estruturas tinham sido destruídas pela II Grande Guerra. Os portugueses emigrantes são peça importante no boom económico destes dois países na década de 60 e inícios de 70.

Com a vida estabilizada, com casa já confortável, começaram então a surgir as associações, os bailes; a comunidade encontrava-se ao fim de semana.
Sublinha a autora: “ os jovens do campo suspiravam pela pronúncia das grandes cidades, das suas roupas e das suas comidas. Queriam despir-se de tudo o que lhes evocasse ruralidade, em suma, a “parvónia”.
O negócio das cassetes recheadas de música pimba tornou-se um maná para Linda de Suza (Sousa mas como o ou em francês se lê u, a grafia sujeitou-se à fonética), Tony Carreira, Quim Barreiros e afins.
Os bailes eram revivalistas, como se transportassem a aldeia de que nunca tinham partido, mesmo partindo, para aquele espaço de um salão urbano ainda que periférico com as danças tradicionais ao som da concertina e os inevitáveis caldo verde, bolinhos de bacalhau e sardinha assada. Porque não passava um dia que não vissem a sua aldeia.
Os mais novos iam gradualmente fugindo a esta liturgia dos pais. A música era outra e os macdonalds e hamburguers substituiam os bolinhos de bacalhau.


Clochard

Mas há também uma parte negra da emigração que tem sido ocultada : a disfuncionalidade, a marginalidade social de uma certa juventude da segunda geração que não aceitando já os cânones de vida e os valores dos seus pais, assimilavam da cultura francesa os aspectos mais negativos. Uns acabaram na prisão de Fresnes, outros arrastaram-se no insucesso escolar, outros formaram, por exemplo, a quadrilha dos Cavacos que, nos meados da década de 80, assolou o país com dezenas de assaltos a bancos e algumas mortes. É certo que eram na maioria algarvios ( havia apenas um transmontano de uma aldeia de Vinhais), região onde os valores rurais não eram tão vincados, pela circunstância de um incipiente cosmopolitismo, via indústria turística, levando ao gradual abandono da terra como sustento e fonte de trabalho.
Havia ainda os que se foram degradando pelo álcool, pela permanência no desemprego, a ponto de acabarem por ser rejeitados pela comunidade e alguns transformarem-se em clochards, os nossos sem-abrigo.
Outros, que se recusavam, por vergonha, a regressar à aldeia tão pobres como tinham partido.
É certo que esta realidade, compreensivelmente tem sido silenciada, mas é de justiça que não seja esquecida, embora parcelar e menor na generalidade da condição do emigrante.


Texto: Rogério Rodrigues / Imagem: João Costa
(continua)


1 comentário:

Anónimo disse...

A escultura "O Salto" é criação do professor de Artes Manuel Trovisco e dos seus alunos. Esta homenagem ao emigrante dos anos sessenta para França surgiu no decorrer da minha ida como escritora à Escola Secundária Emídio Garcia - Bragança, em Abril de 2011.

Aqui lhes agradeço em nome de todos os emigrantes a prenda que nos fizeram nesse dia.


Isabel Mateus