segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Rogério Rodrigues, Antologia - "Livro de Visitas"

Em 1972 saía, em edição de autor, o primeiro livro de poesia de autoria de Rogério Rodrigues. Composto e impresso nas Oficinas de S. Miguel, Outeiro de S. Miguel, Guarda-Gare. Distribuidora: Livraria Ler, Rua 4 de Infantaria, Jardim da Parada, Lisboa.
Acrescente-se que Rogério Rodrigues havia ganho, dois anos antes (1970), o prémio de poesia António Botto, de Abrantes.

O livro abre com uma dedicatória significativa: "Ao Anísio Manuel Rodrigues - VIVO / pelo Anísio Manuel Rodrigues - MORTO". Anísio era o seu irmão mais velho, alferes, morto durante a guerra do ultramar, supomos que por um guerrilheiro conhecido pelo "mata-alferes". Tendo saído o livro em 1972, antes do 25 de Abril, digamos que tal dedicatória constituía um verdadeiro libelo acusatório. 
Abrindo com uma "Elegia dos sítios que conheço", e uma "Introdução" genesíaca, qual petra genetrix, os demais poemas são "Visitas", tão insondáveis e impenetráveis como os de intróito. Desde a "Visita às Visitas" ao "Epílogo" as palavras soam e ribombam, espraiando-se por vezes numa melodia, quási sempre trágica e prenhe de desencanto, ainda que pontualmente pontuada de ternuras. Há mesmo uma "Visita à ternura", dedicada a sua Mãe, de onde respigamos estes lindos versos: 
«(...) Ternura para a desistência a pena leve tracejando / o corpo. Minha mãe. minha ternura. Meu corpo / que se ultrapassou. Ternura azul, a agonia / desce ao riso, no rio boiam os olhos lentos quais / serenas flores. que pascem doiem na descida. / Ternura nas palavras mornos sinais em que nos / reconhecemos, ó minha ternura, visitar-te / enquanto vem flanando pela cidade a morte»
Morte, ruínas e despojos atravessam quase toda esta obra até à exaustão do Epílogo em que, no início do primeiro andamento, se inscreve: «baixo o corpo enfim porque não sei morrer mesmo / em vão nas cordilheiras; em aços novos luminosos / abandonado todo nos incertos ossos da fragilidade / das menores cousas breves: como porém dizer adeus / na morte permanente? Porque este tempo de visitar / só pode ser da morte - evocações de ser e desaproveito, / da tortura e vertigem, origens de procuras com libérrimas / mãos descontroladas tão, na sacra ignomínia»  
E prossegue no segundo andamento: «Nas vantagens da morte quotidiana insolúvel que / aconteceu profundamente falo o corpo sábio / debruços em marés antigas de areais palavras / movendo-se - com base em santos secretos / eremitas mais oriundos de mim. Com Hölderlin, / amo interior à dinâmica lasca lúcida / da loucura. Eu irei (aí) ó corpo torturado. / Vou a caminho da ressurreição tangente - // à periferia o silêncio diâmetro ripar d'olmo em sonos de setembro confiando álcoois ao sossego (...)» 
Para concluir no terceiro andamento: «Uma pedra na noite é como um limite de aço na / corrupção contínua da aparência. E uma noite com / ventos são sítios inventados cada vez mais reais no / caos a nado em negro e medo» de onde parece resultar a derradeira busca e a última certeza: «É meu amor a relação / dos usos insondáveis da morte que o meu coração anseia / por que tudo tarde - o fragmento do corpo a loucura mineral / da claridade dispersa! Meu amor, meu amor, uma pedra bem / pequena maior que um gesto só ela nada é incomum à morte».

N.Campos

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