domingo, 17 de abril de 2011

Quadros da transmontaneidade (41)

Outras ceifas: ainda a tarde

Uma brisa, muito leve, levantou-se por momentos, e eles, os pecadores daquela Divina Comédia infernal, por momentos não se vergaram sobre a tríade de regos que, em cada seitourada desferida, parecia tornar-se ainda mais longa. Ali se mantiveram erguidos, a aliviar as culpas, a saborear aquele breve e doce encanto. Ali permaneceram com a zoeira da cigarra na nascer-
-lhe na alma, a encher-lhe os ouvidos, como se fosse praga omnipresente em todos os círculos. Por momentos aliviaram a rigidez muscular, enquanto olhavam o horizonte ondulado e escutavam a cantilena repetitiva do cuco que, a Zabelinha contava em segredo, para melhor entender o futuro e conhecer o número de anos que teria de ficar solteira.
- Ainda não é tempo de atar? – instou o Ti Marcolino, quando viu o Sol a querer afocinhar nos montes.
- Sim, sim vão sendo horas - respondeu o Adérito.
E antes de se dirigirem aos eitos, desenhados pela regularidade, quase arrepiante, das gavelas que se tinham ceifado ao longo do dia, dirigiram-se à carvalheira onde o macho continuava preso. Beberam ambos pela mesma cântara de barro, limparam os beiços com as costas das mãos, e ataram ao cinto um bom manhuço de vencelhos que debaixo da albarda da animália, escondidos dos tórridos raios solares, ainda permaneciam húmidos.
Braçada após braçada, as gavelas iam sendo abraçadas uma a uma até adquirirem tamanho de molho, e ainda com as praganas metidas no pescoço eram atados por mãos musculadas que, auxiliadas por joelhadas firmes e secas ajudavam a dar-lhe a sua forma final.
- Não vem lá água! – acautelou o Ti Marcolino quando viu surgir no horizonte uma nuvem mais negra.
Para bom entendedor meia palavra basta, todos perceberam que antes de acabar o dia era preciso juntar os molhos, construir o rilheiro porque caso surgisse algum aguaceiro inoportuno e indesejado sempe ajudaria a proteger tão preciosa colheita.


António Sá Gué

sexta-feira, 15 de abril de 2011

concerto de Dizzi Dulcimer, na igreja matriz de Moncorvo no próximo dia 17/04

(clicar sobre as imagens para AMPLIAR)
Realiza-se no próximo dia 17 de Abril (Domingo), pelas 16 horas, na igreja matriz de Torre de Moncorvo, um concerto de saltério (antigo instrumento de cordas sobre caixa de ressonância, que na Idade Média se usava frequentemente na música litúrgica), pela consagrada artista britânica Dizzi Dulcimer - sobre esta artista e a execução do instrumento, ver, por exemplo: http://www.youtube.com/watch?v=TxjpYHhfRyI (clicar sobre o link)

Este concerto é promovido pela "Turel", com produção de "Demiparati", tendo como parceiras as seguintes entidades: Diocese de Bragança-Miranda, Turismo Porto e Norte de Portugal, Turismo do Douro, Missão do Douro, Ministério da Cultura, sendo co-finaciada pelo QREN e ON-2.

A não perder!!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tarde Ambiental e Agrícola no Museu

Tendo em vista a sensibilização para a importância da Agricultura e preservação do meio ambiente, o Museu do Ferro promoveu, no passado sábado (9 de Abril), uma "Tarde Agrícola", envolvendo algumas jovens e duas técnicas da Fundação Francisco António Meireles. O museu tem procurado o envolvimento de diversas entidades na sua programação, desde o Agrupamento de Escolas aos Lares, procurando assim o melhor envolvimento entre a comunidade e o espaço museológico. Por outro lado, esta iniciativa integrou-se como acção de estágio de Liliana Branco, aluna do curso de Educação Ambiental, na Escola Superior de Educação de Bragança (IPB). Aqui ficam algumas imagens:
Arrancando ervas daninhas (evitando os herbicidas químicos), no canteiro das amendoeiras. Transporte das ervas para o compostor, para se fazer adubo orgânico ("composto", vulgo "estrume") Apanhando laranjas biológicas (estas não recebem tratamento químico) para sumo natural.
Esta actividade teve o apoio do Município e do PARM (parceria de gestão do Museu do Ferro), da Junta de Freguesia de Torre de Moncorvo e da Fundação Francisco A. Meireles.


Txt. e fotos de N.Campos

domingo, 10 de abril de 2011

Quadros da transmontaneidade (40)

Outras ceifas: a da tarde

O Sol, serenamente, continuava na sua ascensão até ao zénite. Lá do alto, na sua supina venerabilidade, mostrava-se incapaz de revelar compaixão pelos mortais que ali continuavam a repetir gestos incessantemente: seitourar, sempre em golpes de três, envencilhar e pousar, seitourar, envencilhar... Ali continuavam agarrados a um sentimento de humildade que desafia a própria santidade, presos a uma sapiência de amor pela fecundidade da terra que dilui a fronteira da existência e não-existência humana.
Já não havia suor que arrefecesse os corpos, nem água que matasse a sede. Não fora a cântara de água que a Zulmira trouxera embraçada e assente na anca, quando veio trazer a janta, já devorada à sombra do carrasco, não tardariam a surgir miragens insanas na tremulina que surgia no horizonte. Preso pelos arejados chapéus de palhinhas de abas largas, mercados na feira dos 23 na vila, o lenço tabaqueiro avermelhava nos cachaços tisnados e, em movimentos cíclicos, mãos ásperas como o restolho, levavam-no à testa e absorvia o suor. O sal, que nem só tempera, corroía e descolorava, pela constante evaporação, os costados e os sovacos dos andrajos garridos daquelas almas pecantes que, naquele vórtice infernal, cumpriam pena.
As sombras alongavam-se.

António Sá Gue

(Continua...)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Feira Medieval foi um sucesso!

Como aqui anunciámos, teve hoje lugar a representação de uma feira medieval em Torre de Moncorvo. Já há anos se tinham ensaiado experiências similares, mas sem a dimensão da que hoje teve lugar, com o agrupamento vertical de Escolas em peso, alunos, funcionários e professores, e amplo envolvimento da sociedade civil, associação de comerciantes, GNR, autarquia local e uma empresa de animação de eventos (Cryseia, de Lamego). Tendo coincidido com o último dia de aulas e com um dia de feira a adesão do público local foi excelente, e as ruas da vila encheram-se de um colorido de outros tempos... Não esquecendo que a feira é um acontecimento económico e social que aqui se continua a realizar há mais de 700 anos, tendo sido criada por D. Dinis, entre 1285 e 1287 (não se conhece a data exacta da primeira carta de feira). O mesmo rei, por carta de 2.11.1319, para lhe reforçar a importância, criou uma feira anual com um mês de duração. Por sua vez, D. João I viria a criar uma feira franca, já no séc. XIV. Evocando esses bons tempos medievais, aqui tivemos hoje um cortejo em que pontuaram o rei e a rainha (supostamente D. Dinis e a rainha Santa Isabel), com as restantes classes sociais da época (clero, com bispo e tudo, nobreza e povo). . Aqui fica a reportagem: As ruínas do Castelo há muitos séculos que não viam um espectáculo assim - foi como se tivessemos entrado na máquina do tempo.... Pendões desfraldados ao vento, o colorido dos trajes dos tempos medievos alegraram as vetustas pedras... O Bispo, o Rei, a Rainha, nobres ou pagens, guarda real e etc., na complexidade do xadrez do reino, aqui representados... Na eterna praça, o comum dos mortais: o povo de todas as idades assiste e aplaude. Deu-se o milagre das rosas: viva a rainha!.... viva o rei!... E o cortejo espraiou-se depois pelo burgo, através da eterna rua das Flores, a viela que liga as duas praças (a do poder civil e a da Igreja)...
Grande concentração no adro da "Catedral" - a soldadesca prepara-se para a peleja, num torneio amigável para moncorvense ver....

E aos depois uma voltinha pela feira, onde, além das barraquinhas das vendas, até se poderia apreciar a cria...
Na taberna, duas belas estalajadeiras...

...e um frade já bem fornecido...


... enquanto um pobre leproso mendigava!

Por todo o santo dia durou o evento e ao cair da tarde, em frente do paço (do concelho), a festa iria continuar....


...com uma Ceia medieval (ou quase, não fossem alguns anacronismos)...
Os ritmos medievos vieram das terras de Miranda, com as sonoridades de gaita de foles, bombo e caixa de guerra. Do lado esquerdo, a mesa real presidindo à Ceia... Salientamos a preocupação da Organização em envolver os alunos, professores e população em geral, num acontecimento ao mesmo tempo lúdico e pedagógico. No entanto, o mesmo poderá ser potenciado, no futuro, como cartaz turístico, a divulgar amplamente, em data convencionada. Porque não no feriado municipal, ou no dia do foral dionisino (12.04.1285) que fundou o concelho de Torre de Moncorvo? - fica a sugestão.

Txt. e fotos de N.Campos (excepto a do "leproso", cedida por Camané Ricardo)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Feira medieval, amanhã em Torre de Moncorvo

Amanhã, dia 8 de Abril, o Agrupamento Vertical de Escolas de Torre de Moncorvo, com o apoio do município, promove uma Feira Medieval, propiciando uma viagem no tempo pelas ruas do centro histórico desta muy nobre villa da Torre de MemCorvo. Aqui fica o programa:


Programa


09:30 – Saída do Cortejo Real para a Praça Francisco Meireles

10:00 – Abertura da Feira pelo Rei e anunciado pelo Arauto nas escadas do Castelo


10:05 – Espectáculo Teatral


Peça “ O Milagre das Rosas”


“Cantiga de Amor”


Torneio a Cavalo


Luta de guerreiros


10:40 / 17.30 – Feira Medieval no Largo General Claudino


Venda de bens e produtos


Animação de Rua


19.30 – Ceia Medieval

domingo, 3 de abril de 2011

Quadros da transmontaneidade (39)


Outras ceifas: a manhã

Quando o Ti Marcolino desmontou do macho, deixando-se escorregar albarda abaixo, já os jeireiros protegiam aos dedos de eventuais naifadas da seitoura com os grossos dedais de atanado e, sempre com chalaças pelo meio, decidiam quem tomaria o primeiro eito.
Ainda ele não tinha chegado com os pés ao chão e já o macho, sempre irrequieto, se desviava para derriçar um tufo de espigas que se lhe metiam olhos dentro.
- Rais te partam, demónio dos quintos dos infernos – maldisse o Ti Marcolino ao mesmo tempo que se equilibrava e lhe puxava o rabeiro com força. Prendeu-o, de rédea curta, à carvalheira que ficava à mão direita do portelo.
O Sol já lá vinha, os jeireiros, com o barulho de corte das seitouras e o roçagar das espigas metidos nos ouvidos nem escutaram a praga do Ti Marcolino. Havia que aproveitar a fresca, antes que o Sol ameaçasse queimar tudo e todos, antes que o tapado se transformasse numa das portas infernais de Dante.
O Ti Adérito prensado entre os outros, ao sentir as espigas a tocarem-lhe nas nalgas desencadeado pelos movimentos mais impetuosos do Ti Albano, que vinha no seu encalce, em boa verdade ao sentir-se acossado pelo seu persegudor desencadeou a primeira picardia:
- Estás folgado… – acusou ele – passa p’rá frente.
Riu-se. Mas nem por isso diminui a frequência dos golpes da seitoura, nem por isso deixou de envencilhar com destreza as mancheias que se iam acumulando na mão esquerda e ia colocando atrás de si. O Ti Joaquim, afamada na arte, continuava mais à frente alheio do despique dos seus seguidores.
E, pouco a pouco, seitourada após seitourada, iam-se desenhando os cortes, o restolho ia dando lugar ao ondular encantado da seara. As gavelas, montes de trigo, militarmente alinhadas iam demarcando os eitos já segados, sempre no mesmo sentido, sempre a aproveitar do declive do terreno, sempre a começar no baixos e acabar nos altos.
Quando apareceu a Isabel, a filha Ti Marcolino, com o cesto da parva à cabeça, já o Sol andava na coroa do velho carvalho.


António Sá Gue

(Continua...)

quinta-feira, 31 de março de 2011

Capela de S. João Baptista/N.Sª. de Fátima vai ser recuperada!


O Governador Civil do Distrito de Bragança, Engº. Jorge Gomes, e a Presidente da Junta de Freguesia de Torre de Moncorvo, Drª. Maria de Lurdes Pontes, sob auspícios do Presidente da Câmara, Engº. Aires Ferreira, assinaram hoje, nos paços do concelho, o contrato de financiamento para restauro da capela de S. João Baptista (também conhecida por capela de Senhora de Fátima), que é propriedade da junta. Este apoio resulta de uma canditatura efectuada pela Junta de Moncorvo ao sub-programa 2 da CCDRN, sendo verbas procedentes do Orçamento de Estado, com comparticipação a 60%. O montante agora contratualizado ascende a 28.700€, esperando a Junta de Freguesia conseguir arranjar os restantes 40%, de forma a realizar a totalidade das obras previstas. Estas visam a renovação da cobertura, recuperação do tecto, rebocos, pinturas, etc.. A capela de S. João Baptista remonta ao séc. XVII, estando documentada, pelo menos desde o séc. XVIII, uma importante festa, com encenação de uma "mouriscada" (combate simulado entre cristãos e mouros), com saída de S. Jorge a cavalo. Já no século XX esta capela passaria a ser dedicada também a N. Srª. de Fátima, em consequência da afirmação do culto da Senhora aparecida na Cova da Iria. Seria interessante voltar a recuperar-se a festa de S. João, cujo arraial em tempos se deslocou para o terreiro do Castelo, defronte dos Paços do Concelho e agora se centra mais na praça Francisco Meireles. Contudo, julgamos que seria boa ideia iniciar-se essa festividade popular com uma visita à capela que agora vai ser recuperada. - Esperemos que ainda a tempo do próximo S. João. Para já ficam as nossas felicitações às entidades envolvidas pelo empenho na recuperação deste património que é de todos os moncorvenses.

sábado, 26 de março de 2011

Quadros da transmontaneidade (38)



Outras ceifas: o caminho

Para chegar, seja onde for, há sempre um caminho a percorrer. Esta bem podia ser a lei da gravidade desta humanidade mundana. Este, o da segada, era feito durante a noite, bem de madrugada, ainda com a aurora a espreguiçar-se para Além-dos-Montes. Quando se levantava a brisa da antemanhã, que habitualmente arrepiava os corpos, já as bestas de carga, humanas e não-humanas, caminhavam aos tropeções nas pedras que as águas do Inverno tinham desenterrado.
O poldrão do Ti Marcolino já não o fazia a pé. Escarranchado sobre a albarda, também ela já esborcelada pelos anos de uso, remoía os sentimentos sentado no lombo do macho. Os segadores, que chamou à jeira, não fugiram à regra da Ordem, também eles com o “sol-nado” já teriam que estar bem para lá da Penacurva. Neste momento, não passavam de uma silhueta, lá mais à frente, só a luz argêntea mas indirecta da Lua os iluminava. Iam calados, apenas o trotear do macho ecoava na noite.
Chegaram ao tapado.

(Continua...)

António Sá Gué

sexta-feira, 25 de março de 2011

Quadros da Emigração – Uma Andarilha Portuguesa em Cheshire (Reino Unido)

Em Cheshire, bati à porta de 68 anos viçosos, sorridentes e meigos, na manhã radiosa de ontem. Assim que transpus a entrada, o mesmo sorriso afável mandou que me sentasse, no asseio do aposento modesto, à volta de uma chávena de chá.
Já em idade avançada, Maria emigrara por razões sentimentais para o Reino Unido. É certo que, em Portugal, teria de continuar a trabalhar até aos 73 anos de idade para ter direito a uma pensão que a deixaria no limiar da pobreza. Mas, de momento, sentia-se ainda com forças para enfrentar o trabalho e, por essa razão, essa não fora a sua maior preocupação.
Recordava-se que, com 25 anos, uma filha nos braços e acompanhada pelo marido, tinha largado pela primeira vez a terra natal rumo à Rodésia, no ano de 1968. Aí, fabricou a sua extensa propriedade até que tudo ficou nas mãos dos nativos e teve de abalar. “Sem nada!”, disse-me de semblante cabisbaixo.
Em 1983, já com mais um filho na algibeira, deslocou-se para a África do Sul, instalando-se em Joanesburgo e, em seguida, em Pretória. Vivia na sua “Farm” e ali cultivava tudo. “Até grelos! Olhe, os mesmos que vi na loja dos chineses, em Manchester!...”
Também aí a conjectura política mudou e resolveram regressar a Portugal para a terra do marido, que ficava muito perto de Lisboa. Aliás, esse fora sempre apenas o seu intento. Carregou continuamente Portugal no coração desde o tempo em que dele se apartara.
A divagação de andarilha portuguesa pelo mundo transportou-a de novo ao ponto inicial da diáspora, quando constatou que a minha perplexidade não compreendia o seu último adeus à pátria portuguesa. Não acompanhara o esposo, que se emaranhou de novo no continente africano. Contudo, o sentimento de mãe e de avó venceu todas as suas resistências de ligação ao cantinho de origem e ei-la numa pequena aldeola de Cheshire, com todos os seus pertences materiais para montar casa e residência vitalícia no país que tão bem a tem acolhido. “Aqui, os Serviços Sociais e de Pensões são estupendos! Estão a tratar de tudo e com muita consideração!”, comentou agradecida.
Por enquanto, trabalha apenas seis horas por semana. Serviços de limpeza. Mas quer mais! Foi a uma entrevista de trabalho para um lar de idosos e tem esperança que consiga ficar. Isto, pela sua independência monetária, por uma casinha sua ao lado da dos filhos e dos seus netinhos, pela reaprendizagem da língua inglesa e do convívio com os vizinhos...
Por vezes, sente falta do sol e da bica, sobretudo à hora do almoço. Por isso, fará, no Verão, uma visita a Portugal, logo que as férias laborais lho permitam!

terça-feira, 22 de março de 2011

Celebração dos dias da Árvore e da Poesia, e da Água

Uma lição ao ar livre, em que se falou às crianças na importância da água e das árvores, em linguagem acessível.
Hoje foi dia mundial da Água; ontem, foi o dia da Árvore e da Poesia.
Juntando as duas comemorações numa só, realizou-se hoje uma acção intitulada "Poesia e Ambiente", integrando as três valências, destinada às crianças do ensino pré-escolar. Esta acção decorreu hoje à tarde nos jardins do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo, onde se semeou um canteiro de ervas aromáticas, se plantou uma árvore e se pintaram desenhos alusivos ao tema.

Grupo de crianças pintando desenhos à sombra de uma árvore, nos jardins do museu

A iniciativa integra-se no estágio de Liliana Branco, aluna do curso de Educação Ambiental da Escola Superior de Educação/IPB (Instituto Politécnico de Bragança), enquadrada nas actividades do Museu e Biblioteca Municipal e em articulação com o Jardim-Escola nº. 1 do Agrupamento Vertical de Escolas de T. de Moncorvo.
Foi ainda elaborado um folheto desdobrável com vários conselhos sobre a necessidade de se poupar a água e preservar a floresta, o qual foi distribuído pelas crianças.

Ver mais em: http://parm-moncorvo.blogspot.com/2011/03/celebracao-do-dia-da-arvore-da-agua-e.html

Txt. e fotos de N.Campos

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ó amendoeiras!

Ó amendoeiras floridas,
amendoais de riqueza!
alegria das raparigas,
cheios de encanto e beleza!

Vou pintar a minha terra!
da cor das amendoeiras;
começo aqui pela serra,
desço mesmo às ladeiras.

Vou pintá-las de branco,
em flor, imaculado;
de rosa é o manto,
de amor e de cuidado.

Cuidado na ventania,
ou até na chuva grossa,
caem pétalas de alegria,
ficam os sonhos de rosa.


Há perfume pelos campos,
cheira a rosas e a jasmim,
abelhinhas, trinados em bandos,
deixam-me saudades sem fim!

Vou pintar as amendoeiras,
de trabalho e de ilusão
pinto de verde as ladeiras
cachuchos do meu coração!

São verdes e saborosos
de casca tenra e macia
de cachuchos tenros, viçosos
de leite, pinto grãos de alegria!!

Vem o sol, traz-lhes mimos,
vê-los crescer é um regalo,
de pele de leite finos,
pinto amêndoas de estalo!

Pintei assim as ladeiras
verdes cachuchos a sorrir,
do poio às ladeiras
pinto amêndoas a florir!


Já duras e bem sequinhas,
do verde manto despidas.
Em ouro se tornaram,
até há amêndoas paridas!

e pinto com esta tinta
de cantigas, as mulheres,
vestem-se de blusas de chita,
vermelhas aos malmequeres.

E trazem saias rodadas,
as belas apanhadeiras!
e andam assim dobradas,
alegres e galhofeiras!

e falam da sua vida
e da minha ou da tua
os homens, em vara fina,
varejam amêndoa dura.

Depois em sacos de estopa,
feitos em belo tear,
seguem arrobas de amêndoa,
p´ra casa, é bestas carregar!

E é uma animação,
sempre, sempre a reinar!
cozinha, quarto, sala ou salão,
na rua, em toldes, a secar!.

e em pás de fina madeira,
toca, toca a revirar
de casassós à ladeira,
meus sonhos hei-de pintar!

Pinto cestos de verga
até bacias de lata
amêndoa depois de seca,
é uma quebra bem farta.


E agora vamos lá todos
de Urros, ó mocidade!
cantar ao desafio,
partir grão, à vontade!

E agora sentem-se aqui,
tomem lá o malhadouro!
o grão é p´ro cestinho,
alqueire cheio é dinheiro.


Há presunto e queijo da talha,
postas de linho, é alva a toalha,
pão, bolas, salpicão e vinho,
“há barulho! ide lá ver quem ralha”.

Malhadouro malhadeiro
em açafates de verga,
o Petromax é luzeiro,
dá luz que bem se enxerga

Ó mocidade de Urros, que fizestes
da vossa fartura e riqueza?
ver os montes assim tristes
não vos dá dor de cabeça?!


RETRATOS DA MINHA INFÂNCIA.
Tininha, de Urros, outrora uma vila!
( …que teve foral antes de Moncorvo)


GLOSSÁRIO:
Barulho= desordem, desentendimentos, que, por vezes, antigamente, poderia provocar sérios danos; pequenas sublevações, garalmente na rua, que poderiam arrastar muita gente, como assistência.
Cachuchos= amêndoa, ainda tenra, coberta por casca tenra. de cor verde.
Ralhar=criticar, berrando e insultando , admoestar

Enviado por Arinda Andrés

Fotos : João Costa

Poesia de PedroCastelhano (Rogério Rodrigues), apresentada no passado Sábado em Moncorvo

O auditório da biblioteca municipal foi pequeno, no passado Sábado à tarde, durante a apresentação do livro de poesia de Pedro Castelhano (aliás Rogério Rodrigues), evento aqui anunciado, no âmbito das comemorações do Feriado Municipal de Torre de Moncorvo.
Tendo usado primeiro da palavra o Sr. Presidente da Câmara, Engº. Aires Ferreira, e o editor, Dr. A. Baptista Lopes (editora Âncora), a análise aprofundada da obra e do autor couberam ao distinto Homem de Letras, Prof. Doutor Amadeu Ferreira.
No final, o autor encerrou com algumas palavras sobre os contextos em que foi produzindo este material poético, fruto da sua "carpintaria" literária, mencionando as referências que lhe serviram de inspiração (Luisa Neto Jorge, Jorge de Sena e outros). Citando Sena, afirmou que "a Poesia é talvez a coisa mais inútil que há, mas não conheço nada mais importante".

Tribuna - a contar da esquerda. doutor Amadeu Ferreira, dr. Rogério Rodrigues, engº Aires Ferreira, drª. Helena Pontes, dr. Baptista Lopes
Começando pelo pseudónimo, Pedro Castelhano, Amadeu Ferreira esclareceu que se trata de um anagrama de Peredo dos Castelhanos (aldeia do concelho de Torre de Moncorvo), terra de naturalidade do autor, o que constitui também uma homenagem do Poeta ao cantinho de onde é oriundo.
Escalpelizando depois o título - "(Re)cantos d'Amar Morto" - o apresentador afirmou que o mesmo é susceptível de uma decomposição, vendo aí as noções de "Recanto" (lugar esconso), de "canto", não só por alusão ao verbo poético mas também o "canto" significando "bloco talhado". Há depois as ideias de "Amar"/amor e "Morte"/morto. E conclui que tudo isso está no livro, em que perpassa o amor ao rincão natal de que o autor foi arrancado, como outros trasmontanos, e transplantado para a Urbe, se bem que não haja aqui um telurismo torguiano, porque na verdade, no dizer do autor: "regresso à terra de onde nunca cheguei a partir" (Torga escrevera: "Regresso às terras de onde me roubaram...")
Da nossa parte poderíamos ainda acrescentar aqui a esta análise do título feita por Amadeu Ferreira, um outro conceito que nos parece aí contido: o de "Mar Morto", por alusão aos célebres manuscritos achados em Qûmran, que estiveram perdidos durante mais de 2000 anos, e onde se encontra o essencial do pensamento da seita mística (e eremítica) dos Essénios, algures nos desertos da Palestina. Também alguns destes escritos (manuscritos ou não) do Rogério, estiveram como que "perdidos" durante anos, se não dentro de vasos, pelo menos dentro de gavetas. A sua reconstituição permite-nos seguramente conhecer algo do seu pensamento e muito do seu sentir, tal como hoje sabemos dos essénios.
À esquerda, o doutor Amadeu Ferreira faz a análise da obra de Rogério Rodrigues (à direita).
Já por este blogue (e outros que o precederam) conhecíamos um ou outro poema ora reunidos neste livro, pelo que sabíamos de antemão da subida qualidade deste há muito esperado livro. Mas vendo-os agora assim reunidos “em letra de forma”, digamos que o Verbo ganhou outra amplitude. Trata-se, por isso, de um livro incontornável, para quem gosta de Poesia, legível e entendível (sempre dentro dos limites que nos são permitidos pela metáfora), bem ao invés de certa poesia contemporânea que, a nosso ver, chega a ser repulsiva pela ausência de musicalidade e sentido estético, em alguns casos quase ao nível formal da letra das canções "rap"...
Mas, deixemos de lado a nossa opinião, e dêmos voz ao autor, de onde retiramos este excerto magnífico do grandioso poema "Carpe Diem", um escrito crepuscular, de fim de Civilização (romana e/ou Ocidental? eis a questão):

«(...)
Carpe diem
homem que morreste só porque tinhas razão
e o futuro era a tua margem mais próxima.
Olha os desertos que regorgitam de santos
à procura do pecado. De monofisitas,
de idólatras, de iconoclastas. De gente
de sandálias, enquanto o Império cai
e não se determina por certo qual o sexo
dos anjos. Vêm os normandos, vieram
os lombardos, as hordas, as espadas
e Roma resistiu e o Homem sobreviveu.
(...)»

E ainda este excerto do poema à neta:
«(...)
Quando passeares na cidade, não te esqueças das montanhas.
Ali se escondem os espíritos, os abandonados pelo tempo,
os banidos ladrões falhados no assalto à alegria.
Serei uma sombra, um nome vago, um morrer
sem memória. Não serei, Obscuro nulo de nada. Talvez um grão.
Estou de abalada para dentro de mim, sem bornal nem seguro.
Mas como eu sonho que um violino me toque como
se eu fosse o violino e a sua melodia. Flor,
deixa-me os espinhos e respira. Sinto que é brisa.
(...)»

Poderíamos ainda aqui destacar os famosos "Nove Poemas de Novembro", de que o autor já publicara excertos no TorredeMoncorvoinBlog, como por exemplo: http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/11/nove-poemas-de-novembro.html

... ou ainda o arrepiante "Stabat Mater", também já nosso conhecido:

http://torredemoncorvoinblog.blogspot.com/2009/06/stabat-mater.html

ou outros mais ainda, só agora saídos à luz do dia... Mas fazer aqui mais excertos tiraria o prazer da leitura, agora encadeada, no delicado suporte de papel, que é, também ele, uma cuidada obra de arte, no formato e nos acabamentos, começando pelo tom de amarelo-dourado da capa. Este é o primeiro título de uma nova colecção de poesia, com a chancela da Âncora, denominada "Universos". Parabéns também ao editor pela ousadia e...

Obrigado Rogério (aliás, Pedro Castelhano), por este presente de Primavera em dia de S. José!

Texto: N.Campos
Fotos: N.Campos e Higino Tavares

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Para quem quiser ler o livro aqui referido, pode requisitá-lo na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, ou adquiri-lo na livraria Clássica, nesta vila. Os interessados residentes em outras paragens, podem contactar a Âncola Editora, Aven. Infante Santo, 52, 3º esqº. 1350-179 Lisboa - ancora.editora@ancora-editora.pt e nas livrarias da especialidade.

domingo, 20 de março de 2011

Quadros da transmontaneidade (37)

A ceifa

“Eu também fui segador” – rememorava o Ti Marcolino – “também eu levei a eito longos dias de segada, sem descanso, vergado pela fome nos agostados tapados da Resanha. Também eu limpei muitas vezes o suor da testa, também ela refegada, com o encardido lenço tabaqueiro que me envolvia o cachaço e que, ainda agora, mantém a forma ondulada das searas e a rusticidade afiada das fragas. Também eu saboreei o doce descanso à sombra do velho carrasco, que já só existe no saco de grão bafiento da minha memória. Também eu medi dezenas de vezes com o olhar a largura da courela, sempre em conta de três, três longos regos, porque só a tríade integra a unidade deste dualismo humano do qual não me consigo libertar.”

António Sá Gué