quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Operário morre em serviço

“SENHOR, eu Te ofereço as estrelas!


As luzes do bairro!


As sombras que o luar faz, nesta noite tão calma!


As fragas, os murmúrios, o silêncio!


As mariposas nocturnas, que rondam a Tua lâmpada!


(…)”


– Padre Telmo Ferraz, "O lodo e as estrelas", 2ª. ed., 1975.(Clicar sobre as fotos para AMPLIAR)



Dia 4.11.2010, pouco depois das 17;00h – Seguíamos, de carro, pela antiga E.N. 325, quando vi os homens-aranha pendurados no alto dos postes da alta tensão. Admiráveis na sua coragem, esticando os pesados cabos pendurados nos postes novos (ou renovados). Não me contive e parei o carro. A máquina fotográfica estava à mão. Disparei ora para um, ora para outro poste, um do lado do Vale das Latas, outro para o lado de cima da estrada.
Há profissões de risco. E de coragem. Como será estar a mais de 30 ou 40 metros do solo, suspenso? – a vida por um fio. Ah, devem ter infalíveis sistemas de segurança, pensei.
Dia 10.11.2010 – seis dias depois, vi a trágica notícia, através de um link deste blog para o jornal “A Bola” (ver coluna do lado direito): um dos “spider-man” tinha falecido em consequência de uma queda. Tinha 28 ou 29 anos, disseram-me depois, era de nacionalidade brasileira, estava a residir temporariamente no Carvalhal (freguesia do Felgar). Trabalhava havia 6 anos na empresa, dizia o jornal. Afinal tinha-me enganado sobre a infalibilidade da segurança. Ou seria a inevitabilidade do Destino. Imaginei a dor do outro lado do Atlântico.


Quanto custa termos em terra, acesas, as estrelas, as luzes do bairro? - Recebe, Senhor, nas Estrelas, o operário que vivia no alto.


Txt. e fotos de Henrique de Campos

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Até arrepia ! Uma vida ceifada na flor da idade !

Amigo Nelson, o seu texto - e as fotografias que o acompanham - são uma homenagem linda a esses bravos trabalhadores que tudo arriscam para dar conforto a outros...

Um abraço
Júlia

Anónimo disse...

viva Drª. Júlia,
Só agora vi este seu comentário, que agradeço, se bem que o autor do "post" seja um certo H. de Campos. Antes não se tivesse que escrever este apontamento colado à tragédia. Quando as fotos foram tiradas, eram tão só para uma singela homenagem de admiração por estes homens dos postes (de alta tensão) - não pensei que o imprevisível acontecesse, poucos dias depois. Imperioso se tornava recordar um escrito do Pe. Telmo, dedicado aos heróicos operários de outros tempos, os que construíram as barragens de Picote, Bemposta e Miranda, em condições tão difíceis e arriscadas. Esse escrito foi censurado, tal como o foi a recensão feita pelo saudoso Dr. Armando Pimentel, quem primeiro me falou desse livro ("O Lodo e as Estrelas"), há já um par de anos. A edição que corre data de 1975 e foi acrescentado com outros textos (verdadeiros poemas) da passagem do Padre Telmo por Àfrica. Há quem o considere um precursor da "teologia da libertação" que faria escola no Brasil. Ao constatarmos as tragédias quotidianas ocorridas no mundo do trabalho, entendemos melhor o seu conceito do "Cristo operário", cruxificado em bronze na capela modernista do bairro barrageiro do Picote (que merece uma visita a todos os interessados na Arquitectura Moderna dos anos 50).
n.