terça-feira, 19 de abril de 2011

Quadros da transmontaneidade (42)

À volta da ceifa

Antes de partir para a as malhas, deixem-me contar-lhes uma estória, em torno das ceifas, que todos os freixenistas conhecem e que eu acho uma delícia.
Dedicado a todo(a)s o(a)s freixenistas aqui vai o “Arroz dos Mazouqueiros”.

O Zé era um raparigalho como tantos outros daquele tempo. Enfezado, ranhoso, permanente ranhoso, educado pela lei do pontapé e da bofetada. Desde bem cedo que começou a levar as vacas ao lameiro, a acarrejar água para casa, a dar corpo ao adágio de que trabalho de menino é pouco, mas quem o perde é louco.
Nesse dia, a mãe mandou-o levar a janta aos segadores que andavam na courela que traziam arrendada ao Dr. Antoninho, lá para os lados do Cabecinho, já quase a entrar no termo de Freixo.
Sem resmungar lá foi, e logo que pôde fez o caminho de regresso. O recado da mãe tinha sido bem explícito: nada de vadiar pelos montes, de fazer hortinhas nos caminhos, ou de andar à cata dos ninhos. Nada de mandriar! Mal os homens acabem de comer vem depressa porque há muito trabalho a fazer.
Era sempre assim, o trabalho nunca se acabava.
Ele assim fez.
A mãe, mal o viu entrar em casa, estafado pelo calor e pelo peso da cesta, ansiosa, provavelmente, devido a algum pecadilho a consumir-lhe a paciência logo lhe perguntou:
- Ó Zé, o arroz chegou?
- Chegou! Mas foi mesmo à justa – responde ele todo lampeiro - os segadores a pousar o garfo e o arroz a acabar.

António Sá Gué

P.S.: Boa páscoa a todos!

2 comentários:

Anónimo disse...

viva António! - olha q tendo eu a ver com Mazouco, nunca tinha ouvido esta! Mas receio bem que seja uma dessas estórias, normalmente inventadas pelos povos vizinhos, para arreliar os da comunidade aldeã mais próxima (há muitos casos desses em Trás-os-Montes). E havia sempre uma aldeia, normalmente mais pequena e mais pobre, de q faziam de "bombo da festa". No caso de Mazouco ainda havia a história das azeitonas na adega alheia, em que estavam todos com vontade à última, mas ninguém lá se atrevia a ir, esperando q se apagasse a candeia - o que deu azo à célebre "cortezia de Mazouco"... Ah, e ainda "o peito cheio de força" no tempo dos pêros (esta deve ser mesmo muuito antiga, pois já lá não se vêm pêros há muito ano), ameaçando-se o próximo com a "calagouça" que ia na burra, em contraste com o ar humilde do tempo da fome (inverno), quando não havia pêros - "donde és?" - "de Mazouco, Mazouquinho, meu senhor... dê-me lá pão e vinho..." - era algo assim.
N.

Júlia Ribeiro disse...

Eu sou louca por estórias . E aqui, esta felizarda, apanhou a do Sá Gué (que desconhecia) e mais as do Nelson.
O dito: "cortesia de Mazouco" era bem frequente. Talvez devido à escassez da comida, que nunca dava para apagar a fome.

Abraços para os dois.
Júlia