quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Partidela Tradicional da Amêndoa e a Jeropiga Reguenga

Hoje recebi o convite do Museu de Moncorvo para participar na partidela da amêndoa no próximo dia 23 de Outubro. É com muita pena que digo que não posso estar presente. Mas a mensagem recebida fez-me pensar no Ti Reguengo e na quantidade de pessoas que se juntava no seu lar para, a seguir à ceia, dar cabo de algumas sacas de amêndoa. Era uma actividade colectiva e de entre-ajuda. Deixo-vos um pequeno extracto do conto “Regalo”, incluído em Outros Contos da Montanha, onde a “Partidela da Amêndoa” se fazia acompanhar do regalo oferecido pela faina da vindima e do trabalho subsequente do Ti Reguengo – a aguardente e a jeropiga.
Espero que adiram a esta actividade! Certamente, a única oportunidade para reviver esta quadra.

“- Ainda não te chega?! Anda comigo, deixa lá o alambique!
Numa voz um quanto rouca do sol e do álcool e de bochechas rosadas, afagou prontamente as mãos da companheira e canelha acima parecia um Baco rejuvenescido. No dia seguinte estaria ali à mesma hora! Com o seu labor, mas sobretudo com a sua experiente paciência e sabedoria, continuaria a empreitada de tratar da essência que aqueceria os gélidos e longos serões de Inverno daqueles que, mas eternas horas da partição da amêndoa, precisavam de reanimar a imobilidade de quase todo o corpo, ritmando assim os movimentos do martelo com a fluidez do sangue aquecido pela aguardente ou jeropiga. Aliás, esta última, que todos conheciam pelo nome de Jeropiga Reguenga, era muito famosa e, afinal, um verdadeiro chamariz para os melhores partidores. Parece que o segredo residia não apenas na qualidade da aguardente que se misturava ao vinho e ao açúcar, mas também nas respectivas proporções. Pela animação dos serões e, principalmente, quando chegava a hora de cada qual ir para o aconchego dos cobertores, depressa se percebia que a misteriosa mistura tinha na sua composição avantajada percentagem de branquinha.”

Isabel Mateus

4 comentários:

Anónimo disse...

viva Isabel,
Um verdadeiro regalo, este naco de prosa! - será que alguém ficou de fiel depositário da fórmula da famosa "jeropiga Reguenga"? (ou será que era algo secreto, tipo o licor de Singeverga, que só é passado por morte do irmão licoreiro?) - Aqui estaria um verdadeiro produto regional que gostavamos de ter, para dar um sabor mais autêntico a esta recriação das antigas Partidelas!
Por outro lado, admirei-me que nas Quintas também colhessem amêndoa, pois para esses lados já é um bocado terra fria.
Um abraço do
N.

Anónimo disse...

Viva N.,

O Ti Reguengo já morreu há uns bons anos, mas poderei indagar se ainda há alguém que saiba como é que ele fazia exactamente este néctar de Baco. A "jeropiga Reguenga" é um nome literário.
Nas Quintas há muita amêndoa. Claro que, muitas vezes, a geada a queima. A Serra e arredores têm muita amendoeira. É um regalo para a vista apreciar essas amendoeiras de grande porte, com manchas brancas e rosas dependuradas no tempo da floração. Por ali não há sombras de turistas nem de excursões, a vista é completamente reservada aos nativos e muito pura. As Quintas estão muito perto e muito longe de tudo, um local sagrado que não posso nem quero deixar morrer.
Visitem-no com a intensidade da alma, olhando os recantos mais inacessíveis e verão o Paraíso e a luz de que se necessita para caminhar mesmo nos momentos de mais desânimo. As Quintas são uma cortina de luz que nos conduz aos domínios do Divino, do Sublime.

Um abraço,

Isabel

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Isabel:

Que belo texto! Tanto amor e saudade ao torrão onde nasceu e cresceu.
Eu não tenho vindo mais amiúde por aqui, devido a problemas de saúde (falta dela) na família.
E, às vezes, passo tão de fugida, que nem dá tempo para deixar um comentário.

Mas deixo um abraço
Júlia

Anónimo disse...

Obrigada, Júlia. Os seus comentários é que são sempre muito belos!

As melhoras para a família.

Abraço

Isabel