segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Quadros da transmontaneidade (23)

O monte da cigadonha

Na cigadonha só existem pinhos e penedos. Quando se atravessa a ribeira eleva-se o olhar e, aos nossos olhos, apenas surgem pedregulhos plantados de propósito pela encosta acima. Entra-se no caminho estreito, emparedado, pisam-se as primeiras pedras, já gastas, e os calhaus parecem ganhar vida. À medida que se vai subindo, não sei se por artes do demónio, o raio das pedras parecem evocar outras eras, as eras dos mouros e dos romanos, que por ali pelejaram. Continuamos a subir, surgem os últimos vestígios daquilo que terá sido uma parede do castelo. O coração acelera.
O lugar está encantado. Algum feitiço os mouros por lá deixaram, de certeza. Aquela gente conhecia as profundezas da alma. Se assim não fosse, se o local não estivesse encantado, não interferiria com a psique de ninguém. Não acham? Subia-se e descia-se normalmente e se o coração acelerasse era apenas pelo esforço despendido, nunca por outras “artes” desconhecidas da razão: aquilo não passa de um monte áspero, repleto de “mecras” gigantes.
O caminho continua a subir, contorna a encosta e entra no cume do monte pelo lado oposto ao da ribeira. O raio das pedras continuam a impressionar e a alterar-nos o juízo. Ah… Já sei! O bezerro de oiro ainda por lá anda, de certeza, ninguém o descobriu. Qual gruta! Qual Calipso! A mitologia grega não chega para explicar tamanha aceleração do coração. Aquele é o monte da Cigadonha, o monte onde a moura encantada aparece com os primeiros raios da aurora, e que, no seu encantamento, envolta em perfumes de primavera, abre uma fenda na rocha, e para aqueles que acreditam, só para esses, os conduz à presença do bezerro de ouro maciço.

ANTÓNIO SÁ GUÉ

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro António,
Foi dos textos mais bonitos que já li nos últimos tempos! - A Cigadonha!... Fui lá pela 1ª. vez nos idos de 1981. Ainda havia pinhos a rodear o monte, o que dificultava a percepção da muralha e estragava completamente a fotografia. "Felizmente" mais tarde arderam (sou contra os incêndios florestais, mas, naquele caso deu algum jeito) e pude ver melhor a amplitude das cercas, conforme as descrevia o professor Santos Júnior, num opúsculo de 1928. Fui lá muitas vezes (mostrando o local a muitos), mas sempre que subia (e subo aquela acrópole) é como dizes: faço-o sempre com esse respeito sagrado de quem se aproxima de um lugar de Antepassados. Andamos a tratar do processo de classificação deste sítio como imóvel de interesse público, pelo que o post é da maior pertinência.
Grande abraço,
Nelson Campos

vasdoal disse...

Não conheço o sítio, mas é como se o conhecesse, porque a beleza do texto transporta para lá qualquer coração.
Mais uma vez parabéns, António, e um abraço.

João

Anónimo disse...

Infelizmente não conheço o sítio, mas tratem de organizar uma expedição ao local e avisem atempadamente, se faz favor. Pela belíssima descrição do texto, ficarei certamente tão maravilhada como quando este ano fui à Fraga do Arco no âmbito da Ciência Viva (PARM).

Abraço,

Isabel

Júlia Ribeiro disse...

Subscrevo tudo quanto foi dito. É, de facto, um dos textos mais belos que já li. Mágico!

Abraço
Júlia