domingo, 16 de janeiro de 2011

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Nota prévia: Em conversa com o meu amigo José Alves Ribeiro, tive conhecimento deste seu trabalho sobre a cultura do sumagre, outrora praticada em Trás-os-Montes. Se em Torre de Moncorvo esta prática não teve uma forte implantação, resta a memória de alguns dos seus habitantes que tiveram esse ofício nas terras de Foz Côa, quando por lá subsistiam das jeiras. Sugeri, desde logo, que permitisse publicá-lo neste espaço, pelo que imediatamente e simpaticamente acedeu ao pedido.

O nosso agradecimento.

A EXTINTA CULTURA DO SUMAGRE EM TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
José Alves Ribeiro, Eng. Agrónomo, Professor Emérito da UTAD

1 – Caracterização botânica e fitogeográfica do sumagre – Rhus coriaria L.

O sumagre, de nome científico Rhus coriaria L., é um arbusto da família das Anacardiáceas, família botânica de plantas ricas em resinas e taninos, onde também estão inseridas espécies como o cajú, a manga, o pistacho, a aroeira e a cornalheira, sendo estas três últimas espécies arbustivas do género Pistacia, sendo a cornalheira - Pistacia terebinthus L. - também frequente nas matas e mortórios da vegetação mediterrânea duriense. O sumagre tem a sua inserção fitogeográfica na grande região mediterrânea, mais precisamente na sua sub-região mais oriental, tendo-se expandido a sua cultura para toda a mediterraneidade. Os romanos o utilizavam como condimento, sendo também muito antiga a sua utilização na preparação das peles e couros ou seja no artesanato e na indústria dos curtumes, utilização essa que entrou em declínio a partir do início do século XX, com o desenvolvimento de outras fontes de obtenção do tanino para a referida indústria.
É um arbusto de médio a grande porte, mesmo arborescente, de marcadas preferências por locais quentes e soalheiros, nas áreas de feição mediterrânea do nosso país, na Terra Quente e vale do Douro em Trás-os-Montes e Alto Douro, na Beira Interior, no Alentejo, no Algarve e nas Ilhas da Madeira e dos Açores onde também fora cultivado. Instala-se especialmente nos taludes e nas bordaduras de matos, de caminhos ou de campos de outras culturas, locais para onde a espécie se tem disseminado ao longo das últimas décadas, desde o abandono da cultura, tornando-se um arbusto naturalizado na paisagem vegetal e em certos locais tornando-se mesmo um arbusto potencialmente invasor de vinhas e pomares. Para uma breve descrição botânica podemos caracterizá-lo como um arbusto de folhagem caduca, ramoso, de rebentos e pecíolos vilosos, ou seja de muita pilosidade, de folhas compostas, imparifolioladas, de três a sete folíolos de forma ovado-lanceolada, de recorte crenado-serrado; flores pequenas, dispostas em panículas, de inserção terminal ou lateral nos ramos, sépalas esverdeadas e pétalas brancas, glabrescentes na página inferior e pubescentes a vilosas na página inferior; frutos em cachos tirsóides, sendo cada fruto uma pequena drupa, ou seja um fruto semi-carnudo de caroço, drupas essas densamente vilosas e de cor castanha purpurescente. Existem duas variedades desta espécie, denominadas «macho» e «fêmea», sendo a primeira variedade de maior porte e de folhas também maiores e lisas na página superior e de pecíolo alado na extremidade – ao contrário da variedade «fêmea» em que as folhas apresentam as duas páginas penugentas e de pecíolo não alado nos entrenós superiores.



Sumagre num talude, junto ao rio Douro, na Ferradosa (2008).

2 - Outras espécies do mesmo género Rhus

Uma outra espécie também mediterrânea embora com maior difusão pela Europa sub-mediterrânea da zona balcânica e húngara e ainda da Ásia temperada, é o denominado sumagre tintureiro, Rhus cotinus Scop., é usado como planta ornamental pelos seus longos cachos florais esverdeados, e também usado como tintureiro pela casca das raízes e rebentos juvenis, dando côr amarelo-alaranjada aos tecidos. Outra espécie próxima é o sumagre africano, Rhus pentaphyllum L., de cinco folíolos, originário da região magrebina no Norte de África, também utilizado nos curtumes. Quanto às espécies americanas temos de assinalar o sumagre branco ou sumagre da Colúmbia, Rhus glabra L., sem pilosidade, bastante taninoso mas também de boas qualidades como planta melífera, temos também o sumagre «corno-de veado» ou sumagre da Virgínia, Rhus typhina L.,o sumagre copal, Rhus copallina L., de que se extrai uma boa resina e ainda o sumagre do Arkansas, Rhus cotinoides Nut.,cuja casca e lenho dão matéria corante amarela. Há que referir que os sumagres americanos foram sempre menos usados para os curtumes do que os mediterrâneos por darem couros demasiado corados. Ainda há a considerar os sumagres asiáticos, sendo de assinalar as seguintes espécies: o sumagre semi-alado, Rhus semialata Murray, que produz galhas muito ricas em tanino, o sumagre de cera, Rhus succedanea L., ornamental pela folhagem avermelhada e produtor de uma cera que é extraída dos frutos, sendo também das drupas que se extrai a denominada laca-do-Japão, a partir de uma outra espécie asiática, Rhus vernicifera L., sendo o nome vernicifera muito apropriado pois com essa laca é preparado um excelente verniz.

(continua)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

General Tomé Pinto faz hoje anos!

O Sr. General Tomé Pinto faz hoje anos.
Como ilustre conterrâneo, aqui ficam os nossos parabéns pelo seu aniversário, agradecendo a informação ao nosso colaborador e amigo Filipe Camelo, coordenador do Fórum de Maçores (e de outros fóruns de freguesias do nosso concelho), que nos enviou a foto e informação respectiva:

General Alípio Tomé Pinto
Nasceu em 14.1.1936, na aldeia de Maçores, concelho de Torre de Moncorvo. É licenciado em Ciências Militares e seguiu a carreira do Exército, na Arma de Infantaria. Teve um percurso brilhante, chegando ao posto de General, (em 5.5.1981) quando tinha apenas 45 anos de idade. Todos os seus actos em campanha foram reconhecidos como "heróicos de abnegação e de Valentia extraordinários", pelo que foi condecorado com a medalha de prata de Valor Militar com Palma e promovido, por distinção, ao posto de major. Cumpriu missões em Angola e na Guiné e comandou uma Brigada Portuguesa (durante 2 anos), intervindo em exercícios da NATO de que resultaram duas menções honrosas e as melhores ligações com o Exército Italiano e Reino Unido. Teve papel decisivo nos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975, os quais levaram à consolidação da democracia em Portugal. Foi Chefe de Estado Maior da Região Militar de Lisboa, logo após esses acontecimentos, com o posto de Coronel. Em 28 de Agosto de 1982 é escolhido para Comandar a Guarda Nacional Republicana, até 4.1.1988. Foi assessor do General CEMGFA para os assuntos de pessoal e logística, desde Maio de 1981 a Agosto de 1982. Exerceu as funções de Quartel Mestre General no Exército a partir de 4 de Janeiro de 1988 e depois as de Vice-Chefe do Estado maior do exército de que pediu a exoneração em Março de 1991. Em Junho de 1991 foi nomeado, por escolha, para representante de Portugal na Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas Angolanas nos termos do Acordo de Bicesse. Em 4.5.1993 foi colocado como Juiz Vogal no Supremo Tribunal Militar. Da sua folha de serviços constam: treze louvores ao nível de Ministro ou Oficial General, quinze condecorações nacionais, dez condecorações estrangeiras. Desde Janeiro de 1995 tem vindo a exercer funções de Curadoria ou Consultadoria nas Instituições ou Empresas de Direito Privado, fazendo parte em alguns órgãos sociais. O General Tomé Pinto é um dos mais prestigiados militares Portugueses da sua geração.
Fonte: http://www.bragancanet.pt/filustres/apinto.html

Fotografia do General Tomé Pinto neste post: retirado de artigo da LUSA em: http://cc3413.wordpress.com/2009/06/11/xvi-encontro-nacional-de-combatentes/

Ver também: http://macores.forumativo.com

Nota: Agradecemos a colaboração de Filipe Camelo, coordenador do Fórum de Maçores.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (29)

A matança do porco: desesperos femininos

"O raio do reco pressentiu que o seu dia tinha chegado”, pensava a Ti Maria Júlia depois de ter ido à cortelha vê-lo com vida pela última vez. Já tinha dito ao Chico, que não o queria ver morrer. “Até parecia tristonho”, condoía-se ela, “nem se aproximou da pia para abocanhar a vianda como fazia sempre mal pressentia a minha presença.”
Fechou o cortelho com a tranca e virou costas. Abanou a cabeça, como que a afastar aqueles pensamentos. Não ia chorar por ele, era o que faltava, que Deus criou os porcos para livrar os homes da fome, para mais nada. Eles não são como nós, embora às vezes não pareça. Aquela era a razão da sua existência, mas que lhe dava dó, dava, foi um ano inteiro a cevá-lo do bom e do melhor. E lembrava-se das muitas caldeiras de nabiças escaldadas, das muitas cargas de castanhas acarretadas, dos muitos quilos de farelo comprados, da muita folha de olmo ripada, e agora, de um momento para o outro…

António Sá Gué

(Continua...)

Felgar - mau tempo derrubou sobreiro centenário

Como aqui se prova, nem sempre as árvores morrem de pé...
O mau tempo que se fez sentir na noite de 7 para 8 de Janeiro do corrente ano, com chuva e fortes ventos, provocou a queda de um velho sobreiro existente no adro do santuário de N. Srª. do Amparo.


Em comunicado divulgado aos felgarenses, o presidente da Associação da Mordomia do Santuário de Nossa Senhora do Amparo, José A. Rachado, exprime a tristeza daquela associação, responsável pelo espaço, pela queda da árvore, anunciando uma reunião para a resolução do problema (remoção do sobreiro e o que recolocar no seu lugar).

Considerando o seu porte, o sobreiro da Senhora do Amparo poderia ter mais de 100 anos. É possível que tenha surgido de geração espontânea, pois desde as vertentes do rio Sabor até à cota em que se encontra o Felgar, o sobreiro é uma espécie endémica. A duração média de vida de um sobreiro (cuja denominação científica é "quercus suber") pode oscilar entre os 170 e 200 anos. Assim, é até possível que a árvore derrubada tenha assistido à construção do santuário, nos finais do século XIX. Se isso não é certo, pelo menos viu passar muitas procissões neste adro, e à sua sombra decerto merendaram e descansaram milhares de romeiros, ao longo de tantos anos.

Independentemente de qual seja a decisão da Mordomia da Senhora do Amparo, quanto a nós, já que se tratava de uma árvore majestática, dever-se-ia aplicar o velho princípio de "rei morto, rei posto!" - monarquias à parte, um novo sobreiro, com data registada para conhecimento da posteridade: 2011.
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Outros sobreiros célebres ou imponentes no concelho de Torre de Moncorvo:
1) sobreiro da meia-légua, junto do caminho velho que ia de Torre de Moncorvo para a ponte do Sabor (freguesia de Torre de Moncorvo, junto à antiga Estrada Nacional, antes do desvio para a Qtª. da Laranjeira);
2) sobreiro de grande porte junto ao caminho da Srª da Esperança para os eucaliptos da Ventosa;
...
Manchas de sobreiros com alguma dimensão:
1) sobre a Quinta de Água, da parte de cima da E.N. 220, até ao Calhoal;
2) encostas da Lousa, onde havia extractores e negociantes de cortiça;
3) encosta sobranceira à aldeia de Maçores, junto à estrada que vai de Felgueiras.
....
quem souber mais que acrescente.
Txt.: N.Campos
Origem das fotos: comunicado da Associação de Mordomia do Santuário de N. Srª. do Amparo do Felgar.

Tempo Contado II - abertura

À guisa de aperitivo, aqui fica a página de abertura do livro anteriormente mencionado (clicar sobre a imagem para a ampliar).
Boas leituras!

domingo, 9 de janeiro de 2011

"Tempo Contado" em livro


Título: Tempo Contado. Diário 1994-1995
Autor: J. Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal
Ano desta edição: 2010
Nota: a edição holandesa (Tussenjaar), data de Maio de 1996.


Recebi-o como prenda de Natal e tem-me deliciado a sua leitura. Trata-se de um diário admirável, através do qual entramos no dia-a-dia, na intimidade dos pensamentos e reflexões do autor (até onde ele nos deixa), entre 15.05.1994 e 15.05.1995, um ano na vida de um escritor.
O leiv-motiv foi, segundo o mesmo, registar o seu percurso durante o ano em que se reformou, obrigando-se assim a disciplinar o acto de escrita, nesse limiar de uma nova fase da sua vida.
Que fazia eu nesse tempo? - é a pergunta que cada um fará, desde que fosse gente, nesse lapso de tempo que, para mim, foi ontem, apesar de terem transcorrido 16/17 anos... Cada qual fará uma leitura pessoal e íntima, correlativa aos passos da vivência do autor. No meu caso pessoal, o interesse redobra, na medida em que esses foram anos trágicos em que faleceu uma parte de mim. Por isso, nostalgicamente viajei até esse passado, pela mão de Rentes, num tempo em que não tinha ainda o previlégio de conhecer pessoalmente o nosso "homem das Holandas" (conquanto já dele tivesse recebido o efémero "Transmontansen Post"). Com ele deambulei pela geografia (que bem conheço) de muitos lugares mencionados, mesmo os que se subentendem, descontando obviamente as paragens mais cosmopolitas do seu percurso, já que nunca passei para o outro lado dos Pirinéus.
No que toca ao Local, aí revi algumas pessoas que conhecemos, algumas que já cá não estão, além de situações ocorridas e que já a poucos lembra: scripta manent. Por aí constatamos que Moncorvo é, para além dos Estevais, lugar de destaque nas deambulações portuguesas e trasmontanas do autor. A Moncorvo de Rentes é o lugar onde vem comprar o jornal, abastecer-se à mercearia, ao talho, à feira. Mas, sobretudo, é o lugar mais próximo onde vem respirar, ritual que mantém hoje em dia, quando cá se encontra, pois que hábitos são coisa que não se perde com duas cantigas.
Moncorvo representa, na obra (nesta e noutras, de que destaco Ernestina), de certo modo, a "civilização" no meio deste interior rural. É a Moncorvo que vem enviar os artigos que ia escrevendo para o director do jornal holandês, ainda por fax (passaram 16 anos!), já que os mails, ainda na sua fase pré-histórica, eram de difícil envio, com ligações a cair, para além de outros problemas informáticos que também aqui se resolviam, ou recorrendo ao funcionário bancário, ou ao professor da escola, o "expert" local nos mistérios dos computadores. Este baluarte de "civilização" já o encontramos em Ernestina, quando era a Moncorvo que se vinha ao médico (quando se estava nas últimas, como aconteceu ao avô do autor, mordido por bicho peçonhento e que faleceu a caminho), ou ao dentista (o famoso Sr. Barros-dentista), ou a tratar de outros assuntos importantes.
Não há dúvida que Moncorvo disfruta de um lugar especial no imaginário e na obra rentiana, o que nos deve encher de orgulho e gratidão pela internacionalização desta vila por parte de um Grande da Literatura portuguesa (e não só), que só agora, felizmente, começa a ser devidamente (re)conhecido.
E o melhor agradecimento e melhor homenagem que lhe podemos prestar é ler a sua Obra, a qual não se restringe apenas ao suporte de papel. Homem de espírito jovem e aberto às novas tecnologias, é obrigatória a visita ao blogue que mantém há vários anos, precisamente com o mesmo título do diário: "Tempo Contado", o livro por onde tudo começou: http://tempocontado.blogspot.com/

No mesmo blog, sobre este livro, ver: http://tempocontado.blogspot.com/2010/11/tempo-contado-19941995.html

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N.Campos

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Ainda um poema natalício...

E porque Natal é sempre que um homem quiser, aqui fica um poema natalício que nos foi enviado, com mensagem de Boas Festas, pela nossa Amiga, conterrânea e visitante assídua do blogue, Esperança Moreno (ilustre atriz do grupo Alma de Ferro), o qual ficou lamentavelmente esquecido dentro do sapatinho do menino "Torre.Moncorvo blog", de onde só agora o repescámos. Com os nossos agradecimentos e votos de um bom ano para a Esperança e para todos os nossos visitantes (que de "Esperança" bem nós precisamos!)
Então aqui vai:

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É Natal cai o Nevão

No seu quarto agasalhados

O padrinho e o João, dormem muito sossegados.

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O vento tanto ralha, tanto brama

Que o Padrinho apavorado

Acorda na sua cama...

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e diz logo ouvindo tal:

- Eu já sei o que isto é,

deve ser o Pai Natal

a descer pela chaminé..?!!!

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Com este Conto de Natal, da sabedoria da minha mãe que me presenteava todos os Natais, em tempos escassos dessa altura. (...)

Esperança Moreno

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Quadros da transmontaneidade (28)



O forno comunitário

Hoje, voltei a recuar no tempo, entrei no forno da minha infância. Vi-me agarrado às saias da Tia Maria Júlia, rua acima, engaranhado pelo frio que se fazia sentir. Virou, e eu também, para a canelha da Carreira da Fonte e entrou no forno. Mal atravessei a soleira da porta, já gasta, e a porta de castanho se encerrou pela força de um adulto, a amenidade do local invade-me e uma lassidão percorre-me o corpo. Sento-me, ou melhor, deixo-me cair sobre o monte de feixes de giestas, e fico a observar as figuras que deambulam pelo espaço todas elas encanecidas pela farinha branca.
A Ti Carmilde, lá dentro, na única divisão existente, dobrada sobre a masseira, fingia as bolas e o pão que acabariam de levedar já na sua forma final. Gestos simples, mil vezes repetidos, dão-lhe uma eficácia assombrante. Cá fora, em frente à boca do forno, a Ti Pimenta acabava de varrer as últimas brasas e preparava-se para começar a enfornar. As rodas moles de massa, sempre amparadas por mãos calejadas, iam desaparecendo da masseira e, desembaraçadamente, sem perderem a forma, eram transferidas para a pá de cabo comprido. Ao sinal de benzedura que a Ti Albertina não deixava de bichanar, a pá desaparecia dos meus olhos, entrava na fornalha e, num gesto seco e repentino, eram largadas nas aquecidas cápias graníticas.
Já a ar frio da tarde de inverneira entrava pela frincha da porta de saída quando a tampa do forno se fechou.

António Sá Gué

Foto: João Vieira Pinto

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011


Um 2011 aconchegado às raizes.
Foto: Exposição Presépios Alados
de João P.V.Costa
Local : Centro Cultural de V.N. Foz Côa

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Quadros da transmontaneidade (27)


MONTES

A paisagem vista cá do alto abre-se em todas as direcções. A dobras largas dos montes vão descendo lentamente a deixar adivinhar a ribeira dos moinhos lá no chafurco, depois começam novamente a subir, solenemente, como se se elevassem aos céus, e acabam por terminar lá no alto, na serra do Reboredo, que se prolonga em forma de cortina, já meia desvanecida pela distância e pela luz que, apesar de tudo, ainda não se abriu na sua plenitude. Os fraguedos nas cristas dos montes iluminados ainda pela luz flava da manhã, fazem-me lembrar necrópoles romanas, castros lusitanos, que ali foram misteriosamente erguidos, não sei porquê, ou talvez saiba, talvez a vetustez lhe dê esse dom que me impressiona.

ANTÓNIO SÁ GUÉ

BOM ANO!

Presépio da igreja matriz de Torre de Moncorvo

A tradição ainda é o que era. Eram célebres, noutros tempos, os presépios que fazia o Sr. Júlio Dias, que acumulava as funções de sacristão e de guarda da igreja por conta da Direcção Geral dos Monumentos Nacionais. Não sabemos desde quando se fazem os presépios na nossa igreja, pela época natalícia, mas é de supor que desde os tempos do Barroco, período áureo dos presépios (há referências documentais do séc. XVIII à "junça", talvez juncos, que se transportava para a igreja, para o presépio). Em tempos mais recentes a montagem do presépio tem estado a cargo das zeladoras da igreja, que no presente ano contaram com a ajuda do agrupamento de Escuteiros (em fase de reorganização).
Aqui fica o nosso apoio e estímulo para que se mantenha esta representação do Nascimento de Cristo, como mais um atractivo de visita à igreja matriz de Torre de Moncorvo.
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por: N.Campos

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Companheiras de Natal

Bôlas. Rabanadas.

N.B. Só provei uma de cada. O restante fica para os visitantes.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Quadros da Emigração - Natal

Quintas do Corisco: O Freixo que durante gerações tem sido esgalhado fundamentalmente para apascentar o rebanho e que, assim o ano o permita, bebe as águas férreas do ribeiro que lhe molha as raízes.


A ancestralidade grandíloqua do Freixo altaneiro que me saúda pela manhã no ecrã do computador apaziguou-me neste Natal a ansiedade que se gera em mim quando não o visito nesta quadra. Apesar de saber de antemão que me esquivarei ao torrão nativo, afinal a minha casa, o meu lar e a minha família também são doutros lugares, não tenho conseguido em anos consecutivos dissipar a apreensão e a vontade de partir. Acabo sempre por fazer a viagem na hora de preparar o Natal. Este ano comecei pela Árvore Ambrosíaca. Às vezes é assim: não me chega ir a Londres buscar o bacalhau, o polvo congelado e as tronchudas. O que desta vez ainda nem fiz!


ÁRVORE de NATAL

Espreito o Freixo
da janela da tecnologia
e do progresso
e apetece-me ataviá-lo
com os enfeites
do Natal:
clicaria sobre a Estrela mais brilhante
que o alumiasse
até à raiz da penumbra,
a Geada que lhe pintasse de branco
o verde-escuro das folhas,
e os sulcos profundos
do velho tronco rugoso
donde jorraria a Ambrosia
para a Consoada da Humanidade.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Poema de Natal, por Pedro Castelhano

Quando o Natal chegar...

Quando o Natal chegar
liberta o pirilampo e liberta a Luz
arruma a ternura e arruma a casa.
E areja o sótão da tua infância.
Quando o Natal chegar
dá música aos surdos
e palavra aos mudos
afaga laranjas nas mãos frias
e figos secos ao luar
e amêndoas de Agosto a quem chegar
e limões, e ácidos limões, em teu lugar.

Quando o Natal chegar
à beira do rio olha a outra margem
cheia de sombras, pedras e perdas
e abre os braços, colunas e pontes
e começa a tocar a alma qual piano
na translúcida mágoa de nada tocar.

Quando o Natal chegar
Jesus já passou sem passar
na barca do tempo, entre margens
sem rio, mas à beira de naufragar.
Quando o Natal chegar
não leves granadas para casa
nem bombas para qualquer lugar.
Caça pombas ao anoitecer, morcegos
da tristeza e olhares cegos de vazios.

Quando o Natal chegar
olha os filhos como se só
então nascessem
e os dias fossem cristais
partindo grãos de romã,
tão sensíveis ao ouvido
mas sem pena nem sentido.

Quando o Natal chegar
adormece à beira dos violinos
com a loucura dos deuses
e a tristeza do Mozart.
Que os deuses devem estar loucos
porque a lareira está-se a apagar.

Quando o Natal chegar
cuida das prendas e ofertas
aos que nunca mais vão chegar.
Entre pedras e perdas
guarda o amor de guardar
que a face da mãe ondeia
e o pai adormece a lacrimejar.

Quando o Natal chegar
a nordeste de tudo, mais vale
encher o saco de Nada
e percorrer a noite, até ao abrigo
dos campos da quimera calcinada.
Com o saco cheio de Nada
visita Iraque e o Afeganistão.
Toca às portas da Palestina
e canta dor às portas da prisão.

Quando o Natal chegar
enche o saco de Nada.
Pode ser que por tanto Nada
algo te queiram dar:
um filho, um sorriso, talvez luar.

Quando o Natal chegar
talvez amor e amar.
Dádiva por dádiva,
aceita, é de aceitar.

por: Pedro Castelhano

- Felicidades
e
um Natal partilhado !

Foto: N.Campos

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Da oliveira ao lagar - é tempo de azeitona nas nossas terras

"SE não existisse a oliveira, eu seria a primeira das árvores, diz o freixo..." - provérbio berbere (citado por MONTEIRO, António Manuel, "Olivicultura trasmontana - recursos genéticos e biodiversidade", in Ouro Virgem, nº. 8-9, janº./julho 2009)

Natal, tempo de Paz. Eis a árvore da Paz.
Robusta, de carcomido tronco sobre um muro ancestral, à beira de um caminho, lá para as bandas da Açoreira, ela viu decerto passar aí muitas gerações... Muitas gerações se alumiaram com o combustível de seu fruto, muitas gerações ela alimentou, parcos manjares de pão e azeitonas, ou em dias de festa, algo melhor estrugido no produto natural, antes dos óleos de sabe-se lá do quê...

"Verde foi meu nascimento / de luto me vesti / para dar a luz ao mundo / mil tormentos padeci" - era uma adivinha que as avós propunham aos netos, em noites de serão à lareira, alumiadas à luz da candeia (outrora de azeite, mas que depois passou a ser a "pitróil", antes da electricidade). Como se foi transformando essa "luz" do mundo... Por isso as crianças de hoje não acertariam. Como não acertariam por não saberem os tormentos por que passa a azeitona, esmagada pelas pesadas pedras tronco-cónicas do lagar, inicialmente puxados por animais ou pela força hidráulica, e, finalmente, pela energia a Diesel... Mesmo hoje, nos lagares biológicos, o tormento lá está, até chegar ao prato a regar o bacalhau e as batatas em noite de Consoada...

A Tradição ainda será o que era? - que diga o Camané, feito varejador (e garanto que não está a representar). Que "Almas de Ferro" podem ser almas de outras artes: porque não uma peça sobre as artes e ofícios da nossa terra (apanha da amêndoa, a cobrideira, o ferreiro, etc.).
Os toldos de fibra de nylon vieram facilitar imenso esta actividade dura e fatigante, em que as pobres mulheres da safra da azeitona passavam os dias à jeira, como galinhas, a apanhar, bago a bago, a azeitona que era tombada com as varas (normalmente trabalho masculino), em dias escuros e gélidos, com as mãos roxas e engaranhadas... Se se estivesse um pouquinho mais de tempo na fogueira, vinha logo o patrão, ou caseiro, ou o chefe de família a ralhar. Enfim, tempos...

Finalmente as camionetas, carrinhas e tractores com seus atrelados carregados de sacos da preciosa azeitona, chegam ao Lagar. Este ano foi primeiro o frio, depois a chuva, agora de novo o frio. A "safra" deste ano está a chegar ao fim, mas o lagar continua a laborar noite e dia, por turnos. Outrora, sobretudo em terras mais frias, não se apanhava muita azeitona antes do dia de Santa Luzia (13 de Dezembro), e dizia-se que quem a colhesse antes, deixava azeite no olival. Agora não há gente para a função, e quanto mais tarde se começar, mais azeite se deixa, a posteriori... Não há gente. As jeiras estão caras. Só compensa se forem os próprios a apanhá-la, dizem. Agora apareceram os búlgaros, ao que parece vindos de Espanha, dos campos da Andaluzia, que para lá a crise está pior. Estes nómadas do trabalho são o novo proletariado agrícola do século XXI... Pagam-lhes ao Kg, pois se fosse à jeira por dia não faziam nada - são as vozes que se ouvem...

E para quem queira saber mais sobre a Oliveira, a Azeitona e o Azeite, tem que ler os números da "Ouro Virgem", revista do Museu da Oliveira e do Azeite de Mirandela (em cima, a capa do último número). Mirandela e a chamada Terra Quente trasmontana ("quente" só no Verão, entenda-se) integram uma rota chamada "Terra Olea", que se aglomera outras regiões oleícolas da Europa Mediterrânica e Norte de Àfrica. Com prestigiados colaboradores, como o grão-mestre da Confraria dos Gastrónomos e Enófilos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Engº. António Manuel Monteiro, o botânico e prof. da UTAD José Alves Ribeiro, tem como director e editor o Dr. Roger Teixeira Lopes.
Neste número, como nos outros, encontram-se importantes artigos, através dos quais poderá conhecer as variedades de oliveiras (cobrançosa, verdeal trasmontana, cordovil, negrinha de Feixo, etc.) e respectivas percentagens na região trasmontana e alto-duriense. Por aqui sabe-se que a grande mancha de olival (para azeite e para azeitona de conserva) de Trás-os-Montes e Alto Douro (de um total de 11,5 milhões de oliveiras, seg. números de 2004/05), se encontra na sub-região do chamado Douro Superior, com forte contributo do concelho de Torre de Moncorvo. Aqui temos, pelo menos, dois lagares: o da Cooperativa dos Olivicultores, que remonta aos anos 60 do século XX, e o da empresa "Azeitedouro", mais recente, localizado na zona industrial de Torre de Moncorvo (Larinho).
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Txt. e fotos de N.Campos (excepto a 3ª. foto, enviada pelo nosso amigo Camané Ricardo, a quem agradecemos)