terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Da oliveira ao lagar - é tempo de azeitona nas nossas terras

"SE não existisse a oliveira, eu seria a primeira das árvores, diz o freixo..." - provérbio berbere (citado por MONTEIRO, António Manuel, "Olivicultura trasmontana - recursos genéticos e biodiversidade", in Ouro Virgem, nº. 8-9, janº./julho 2009)

Natal, tempo de Paz. Eis a árvore da Paz.
Robusta, de carcomido tronco sobre um muro ancestral, à beira de um caminho, lá para as bandas da Açoreira, ela viu decerto passar aí muitas gerações... Muitas gerações se alumiaram com o combustível de seu fruto, muitas gerações ela alimentou, parcos manjares de pão e azeitonas, ou em dias de festa, algo melhor estrugido no produto natural, antes dos óleos de sabe-se lá do quê...

"Verde foi meu nascimento / de luto me vesti / para dar a luz ao mundo / mil tormentos padeci" - era uma adivinha que as avós propunham aos netos, em noites de serão à lareira, alumiadas à luz da candeia (outrora de azeite, mas que depois passou a ser a "pitróil", antes da electricidade). Como se foi transformando essa "luz" do mundo... Por isso as crianças de hoje não acertariam. Como não acertariam por não saberem os tormentos por que passa a azeitona, esmagada pelas pesadas pedras tronco-cónicas do lagar, inicialmente puxados por animais ou pela força hidráulica, e, finalmente, pela energia a Diesel... Mesmo hoje, nos lagares biológicos, o tormento lá está, até chegar ao prato a regar o bacalhau e as batatas em noite de Consoada...

A Tradição ainda será o que era? - que diga o Camané, feito varejador (e garanto que não está a representar). Que "Almas de Ferro" podem ser almas de outras artes: porque não uma peça sobre as artes e ofícios da nossa terra (apanha da amêndoa, a cobrideira, o ferreiro, etc.).
Os toldos de fibra de nylon vieram facilitar imenso esta actividade dura e fatigante, em que as pobres mulheres da safra da azeitona passavam os dias à jeira, como galinhas, a apanhar, bago a bago, a azeitona que era tombada com as varas (normalmente trabalho masculino), em dias escuros e gélidos, com as mãos roxas e engaranhadas... Se se estivesse um pouquinho mais de tempo na fogueira, vinha logo o patrão, ou caseiro, ou o chefe de família a ralhar. Enfim, tempos...

Finalmente as camionetas, carrinhas e tractores com seus atrelados carregados de sacos da preciosa azeitona, chegam ao Lagar. Este ano foi primeiro o frio, depois a chuva, agora de novo o frio. A "safra" deste ano está a chegar ao fim, mas o lagar continua a laborar noite e dia, por turnos. Outrora, sobretudo em terras mais frias, não se apanhava muita azeitona antes do dia de Santa Luzia (13 de Dezembro), e dizia-se que quem a colhesse antes, deixava azeite no olival. Agora não há gente para a função, e quanto mais tarde se começar, mais azeite se deixa, a posteriori... Não há gente. As jeiras estão caras. Só compensa se forem os próprios a apanhá-la, dizem. Agora apareceram os búlgaros, ao que parece vindos de Espanha, dos campos da Andaluzia, que para lá a crise está pior. Estes nómadas do trabalho são o novo proletariado agrícola do século XXI... Pagam-lhes ao Kg, pois se fosse à jeira por dia não faziam nada - são as vozes que se ouvem...

E para quem queira saber mais sobre a Oliveira, a Azeitona e o Azeite, tem que ler os números da "Ouro Virgem", revista do Museu da Oliveira e do Azeite de Mirandela (em cima, a capa do último número). Mirandela e a chamada Terra Quente trasmontana ("quente" só no Verão, entenda-se) integram uma rota chamada "Terra Olea", que se aglomera outras regiões oleícolas da Europa Mediterrânica e Norte de Àfrica. Com prestigiados colaboradores, como o grão-mestre da Confraria dos Gastrónomos e Enófilos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Engº. António Manuel Monteiro, o botânico e prof. da UTAD José Alves Ribeiro, tem como director e editor o Dr. Roger Teixeira Lopes.
Neste número, como nos outros, encontram-se importantes artigos, através dos quais poderá conhecer as variedades de oliveiras (cobrançosa, verdeal trasmontana, cordovil, negrinha de Feixo, etc.) e respectivas percentagens na região trasmontana e alto-duriense. Por aqui sabe-se que a grande mancha de olival (para azeite e para azeitona de conserva) de Trás-os-Montes e Alto Douro (de um total de 11,5 milhões de oliveiras, seg. números de 2004/05), se encontra na sub-região do chamado Douro Superior, com forte contributo do concelho de Torre de Moncorvo. Aqui temos, pelo menos, dois lagares: o da Cooperativa dos Olivicultores, que remonta aos anos 60 do século XX, e o da empresa "Azeitedouro", mais recente, localizado na zona industrial de Torre de Moncorvo (Larinho).
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Txt. e fotos de N.Campos (excepto a 3ª. foto, enviada pelo nosso amigo Camané Ricardo, a quem agradecemos)

3 comentários:

Anónimo disse...

A propósito do "azeite virgem" lembrei-me de uma marca que um amigo meu do Felgar criou - sendo pena que não esteja comercializado: é o "Azeite Virgueiro" da pura azeitona trasmontana! Bem, quando os olivais do Felgar forem... submergidos, não sei onde é que o nosso amigo vai arranjar a matéria-prima para o dito "Virgueiro"...

Anónimo disse...

Vai comprar a Espanha!
Por casmurrice, pois então...
Além do mais, quem comer a carne terá que roer os ossos.
AM

Anónimo disse...

Caro AM, olha que isto de a gente se "chutar com azeite espanhol" não é boa ideia, pois aquilo é tudo produção à pressão, com olival de rega. Esperava que dissesses que era mais ali para a Vilariça, mas se calhar também já estará tudo a ser tomado pelos espanhóis como já foi o Vale das Latas - não é que tenha nada contra os espanhóis, claro, como de resto sabe o nosso amigo Angel, mas a questão é que depois a azeitona vai toda para os circuitos comerciais de escala e a produção caseira acabará por ficar algo limitada, acho eu (se bem que perceba tanto disto como de lagares de azeite, eheh)
abraço,
N.