quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Maçonaria e República em Trás-os-Montes e Alto Douro, por Rogério Rodrigues - I

No passado dia 13 de Novembro, no auditório do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo, Rogério Rodrigues proferiu uma brilhante palestra sobre a influência da maçonaria na propagação dos ideais republicanos por terras trasmontanas e alto-durienses (ver post de 15.11.2010, neste blogue).
Por se tratar de tema que interessou muitos dos presentes, ficando também ao alcance dos ausentes, com a devida vénia do autor, a quem desde já agradecemos, aqui vamos editar o texto da referida conferência. Dada a sua extensão, será publicado em vários post's:

«Subsídios para a história da Maçonaria e dos ideais republicanos em Trás-os-Montes e Alto Douro

Por: Rogério Rodrigues

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Não se pode compreender a implantação da República sem a acção da Maçonaria e da Carbonária.

Se até 1910 a Maçonaria e a Carbonária eram essencialmente urbanas, com destaque para Lisboa, Porto, Coimbra e Leiria, já após a implantação da República, tiveram particular importância na província, nomeadamente em Trás-os-Montes e Alto Douro, com grande incidência em Chaves, com relevo para Adelino a Samardã e António Granjo.

Não sou investigador nem historiador. Apenas um leitor compulsivo, porventura um cultor do conhecimento que, passando os dois últimos anos a estudar a República, se sentiu na obrigação e na necessidade de estudar a Maçonaria.

À excepção do registo dos maçons de Moncorvo, cuja lista um amigo meu e historiador me forneceu, todas as outras informações, quer de nomes, triângulos ou lojas foram pesquisados em livros. Para quem esteja interessado, sugiro os quatro volumes dos Primórdios da Maçonaria em Portugal de Silva Dias ( um investigador não maçon), a História da Maçonaria de Borges Grainha, a Maçonaria no Estado Novo de Oliveira Marques, o Dicionário da Maçonaria em 2 volumes também de Oliveira Marques, o posfácio de Raul Rego sobre a Maçonaria em Portugal na obra Franco-Maçonaria de Paul Naudon, a Luta do Poder contra a Maçonaria de António Loja, a Maçonaria e a Implantação República da, da Fundação Mário Soares e Grande Oriente Lusitano, etc., etc. Ainda as biografias de Bernardino Machado e de Afonso Costa ambas de Oliveira Marques, as Memórias Políticas de José Relvas, em 2 vols, publicadas em 1977, Correspondência Política e Literária com João Chagas em 3 volumes, Comunicação dirigida à Maçonaria Portuguesa de Trindade Coelho, o Relatório do comandante Simões Coimbra sobre o regresso da Maçonaria à legalidade após o 25 de Abril e ainda os Roteiros Republicanos, recentemente editados pela QuidNovi, referentes a Vila Real, de Joaquim Ribeiro Aires, e a Bragança, de João Manuel Neto Jacob & Vítor Alves.

Mas também em obras fundamentais sobre a República se podem encontrar múltiplas referências à acção da Maçonaria e da Carbonária. Cito, sem pretender ser exaustivo, a História da República de Carlos Ferrão, uma edição de O Século no cinquentenário da República, os cinco volumes da História da República de Raul Rego que vão ser reeditados no próximo ano, a História da República, coordenada por Fernando Rosas e Fernanda Rollo, o livro de Romero Magalhães, Vem Aí a República, o Cinco de Outubro de Jacinto Baptista, O Cinco de Outubro por quem o viveu, relatos, livros e depoimentos da época, na coordenação de António Ventura, recentemente publicado.

A Maçonaria foi sempre diabolizada pela Igreja que não aceitava o seu ecumenismo. Ou seja, não admitia que todas as religiões e raças e credos pudessem caber na mesma loja, o que retirava a hegemonia para a religião católica. E primeira encíclica condenatória foi a In Eminenti, publicada em 1738 pelo Papa Clemente XII. Denunciava “ algumas sociedades, ajuntamentos, congregações, agregações e conventículos, chamados vulgarmente de pedreiros livres ou franco-maçons” nos quais se reuniam, homens de várias religiões.

E no entanto prelados e padres foram grandes maçons como o cardeal Saraiva, o bispo Alves Martins de Viseu de quem Camilo Castelo Branco escreveu uma biografia, o camerlengo de Santa Sé, Costa Nunes, o abade de Medrões de Bragança, o bispo Feijó de Freixo de Espada à Cinta.

Muito do que sabemos dos rituais da Maçonaria e dos seus pretensos segredos foram registados para a posteridade pelas torturas da Inquisição sobre maçons, estrangeiros e portugueses.

Para além da Igreja todas as ditaduras perseguiram a Maçonaria., o comunismo proibiu a Maçonaria nos Terceiro (Junho de 21) e no Quarto (Nov/Dez 22) Congressos da Internacional Comunista (Komintern) sobretudo por influência de Trotsky e Zinoviev. Os bolcheviques que fossem maçons tinham que abjurar e perder os seus direitos políticos durante cinco anos.

Ser maçon no nazismo significava o campo de concentração. Aliás, fora divulgada no princípio do século uma edição dos Protocolos dos Sábios de Sião, documento apócrifo, trazido da Rússia por uma baronesa. Uma publicação falsa de protocolos que nunca tinham existido. No fundo, denunciavam e inventavam uma estratégia pela qual os judeus e a maçonaria iriam dominar o mundo. Em 1976 a extrema-direita portuguesa publicou este vómito.

Ser maçon no franquismo significava a morte. Foi assim que o avô do actual primeiro ministro espanhol Zapatero foi fuzilado por ser maçon.

No caso português foram muitas as defecções, mesmo no campo republicano. Disso falarei adiante. Registe-se que dois dos grandes amigos de Salazar eram maçons: Albino dos Reis e Bissaya Barreto, filantropo reconhecido, fundador do Portugal dos Pequeninos e o expoente da solidariedade, sobretudo no campo da Medicina. Manteve-se maçon até ao fim da vida e nas visitas de Salazar a Coimbra chegou a fazer-se acompanhar por Fernando Valle (médico João Semana e o primeiro governador civil de Coimbra depois do 25 de Abril), um dos maçons mais antigos do Mundo, que morreu em 2004 com 104 anos e fora iniciado em Coimbra em 1923.

CONTINUA

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