sábado, 1 de maio de 2010

Quadros da transmontaneidade (7)


– Aquilo é que é uma banda... – dizia o ti Joaquim quando se referia à banda da aldeia vizinha para justificar o seu pensamento – e o mestre, aquele sim, até já tem o conservatório.
– Mas atão como é que a gente faz, se nem gente temos? – replicou o Ti Raposinho.
– Se não vai o Maomé à montanha vem a montanha ao Maomé. Arremedam-se soluções, chamam-se os músicos da terra vizinha e assim continua a parecer que a terra ainda tem viço.
Noutros tempos, quando a gente era aos punhados podiam faltar instrumentos, mas não faltavam rapazes a deixarem-se enlevar pelos ademanes amaviosos da musa Euterpe, aquilo mais parecia uma prova iniciática de adultidade. Hoje é precisamente o inverso, não faltam instrumentos, falta é gente para os tocar. Nesse tempo, mal a primeira penugem do queixal despontava e o buço começava a escurecer, a necessitar de ser untado com merda de pita preta, ou até antes, lá ia o raparigo à Casa da Junta receber as primeiras aulas de solfa do Ti Pincherina. Seja como for, não há povoado aninhado nos talvegues ou debruçado na encosta soalheira dos montes que não tenha, ou aspire a ter, uma grande banda. Aquele gosto pela música ninguém lhe conhece a origem, é grande, muito profundo, está na natureza das coisas: como poderiam as amendoeiras florir sem os sons mágicos da flauta? Como amareleceriam as mimosas sem os “sis” sustenidos do clarinete?
A origem era de certeza essa porque mal despontava a Primavera logo se ouviam as primeiras “opaniões” dos arraiais, das arruadas, das festas já ajustadas que vinham com o Verão e também das que faltava ajustar.


ANTÓNIO SÁ GUÉ
Foto: João Costa

1 comentário:

Júlia Ribeiro disse...

Ontem tinha deixado aqui um comentário, mas de certo fiz uma da minhas azelhices do costume e o comentário ao texto do Sá Gué sumiu.

Amigo, dizia eu que o seu texto é excelente e que o nosso Blog ficou enriquecido com a sua escrita.

Um abraço grande
Júlia