sábado, 4 de dezembro de 2010

Quadros da transmontaneidade (26)


O frio
Cá estou eu no frio. As memórias nunca se derretem, é o que me apetece concluir quando sinto este frio que me entorpece o corpo, mas, simultaneamente, me aquece este meu “eu” cheio de incoerências, que já nem tento perceber. Caminho sobre a erva esbranquiçada que geme debaixo das botas de atanado. Definitivamente: há coisas que nos enformam sem nós darmos conta. Alegra-me aquele ranger de milénios e, estranhamente, fere-me aquele gemido de revolta pelas fortes pisadelas: desvio-me. Na lama congelada vejo as marcas do rodado de um carro.Sigo-as com o olhar, até desaparecerem.
Depois, depois olho em redor à procura de outras memórias. Os vales e os montes são os mesmos, confesso existir, simplesmente, diferença no tamanho. O nevoeiro, o nevoeiro de sempre continua a esconder-me os mistérios deste aconchego. As vergônteas das giestas, que pela pobreza do solo nunca foram folhas, nem mesmo o peso da geada as verga, continuam pacientes e ufanamente erguidas por ali terem nascido.

ANTÓNIO SÁ GUÉ

1 comentário:

Júlia Ribeiro disse...

Obrigada, Sá Gué, por nos encantar com os seus textos.

Abraço
Júlia