Esta estrada vai dar à aldeia de Estevais, depois a Cardanha e Adeganha. O viajante não pode parar em todo o lado, não pode bater a todas as portas a fazer perguntas e a curar das vidas de quem lá mora. Mas como não sabe nem quer despegar-se dos seus gostos e tem a fascinação do trabalho das mãos dos homens, vai até à Adeganha, onde lhe disseram que há uma preciosa igrejinha românica, assim deste tamanho.
(...) Enfim, a igreja é esta. Não caiu em exagero quem a gabou. Cá nestas alturas, com os ventos varredores, sob o cinzel do frio e da soalheira, o templozinho resiste heroicamente aos séculos. Quebraram-se-lhe as arestas, perderam feição as figuras representadas na cachorrada a toda a volta, mas será difícil encontrar maior pureza, beleza mais transfigurada. A Igreja da Adeganha é coisa para ter no coração, como a pedra amarela de Miranda.
Foto: N.Campos, anos 90
8 comentários:
Para lá de polémicas de cariz ideológico, político ou religioso, ninguém pode negar a Saramago o facto de ser um extraordinário escritor. Um cultivador de palavras. Um grande contador de histórias. Um magnífico criador de personagens que extravasam a escrita e entram pela música, pelo teatro, pelo cinema... Um autodidacta em que se entrosava o saber feito de experiência, de vivências e de sonhos.
É preciso ler os seus livros. Todos. Só assim teremos uma ideia clara da perda que a sua morte representou para a nossa Literatura.
Júlia
Não sendo eu um especial cultor, nem tendo lido grande coisa de Saramago, do que li apreciei particularmente a "História do cerco de Lisboa" e "Memorial do Convento". A "jangada" tem piada enquanto ideia, mas tem um desfecho um tanto ou quanto forçado. Já quanto ao "Ano da morte de Ricardo Reis", notei que aquela entrada do Dr. Ricardo Reis no Hotel Bragança era perfeitamente decalcada de uma situação borgiana, tal como a ideia do encontro do heterónimo com o ortónimo. Ainda que de uma inspiração intencional se tratasse, como só bastante mais tarde o autor reconheceu como forma de homenagear J.L.Borges, a verdade é que a originalidade da ideia (que não do resto) tem que ser tributada a este nosso conterrâneo-descendente, que, infelizmente nunca ganhou um Nobel e foi reconhecidamente o maior escritor de língua castelhana do séc. XX.
Em todo o caso, deve ser para os moncorvenses um motivo de orgulho terem umas quantas linhas escritas pelo punho de um Nobelizado.
De resto tentarei seguir o conselho da Drª Júlia e vou ver se arranjo tempo para ler algo mais do J.S. logo que possa.
n.
A propósito da "Viagem a Portugal" de Saramago e do texto do "post" do António, não queria deixar de fazer notar a seriedade do trabalho de Saramago neste seu livro de viagens: "O viajante não é turista, é viajante. Há grande diferença. Vajar é descobrir, o resto é simples encontrar"(Saramago, José, Viagem a Portugal. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 2006, p. 287). Sem dúvida que ele procurou a Igrejinha da Adeganha e fez muito bem. Desviou-se do Centro e procurou o periférico (em relação à Vila, entenda-se). No entanto, quem melhor do que Miguel Torga cantou Trás-os-Montes e Portugal no século XX? Em 1950, altura em que proliferavam os guias de viagens, Torga, como visionário de um turismo de massas que se aproximava também para Portugal (primeiro o Algarve e, depois, o resto do país), eternizou a pátria no seu roteiro literário "Portugal". Também não foi Nobel, mas o poder incisivo da sua escrita, a sua força telúrica com que viajava e se embrenhava pelos carreiros tornam-no igualmente imbatível na capatção da verdadeira alma de Trás-os-montes (de Portugal). Podemos igualmente vê-lo a "descobrir" o Reboredo no seu "Diário"...
Como autor de muitos livros, Saramago tem uns "filhos" mais amados do que outros pelo público. Para ser sincera, o seu último livro "A Viagem do Elefante" não me impressionou.
O grande vulto internacional da literatura foi-se, mas a sua obra ficou e poderemos sempre relê-la e aprofundar o seu estudo. Li "O Tratado acerca da Cegueira", em 1988,e recomendo-o.
Um abraço,
Isabel
Peço desculpa e corrijo os enganos, "O Ensaio Sobre a Cegueira" li-o em 1998.
Isabel
Coube-me, durante sete dias, andar com o Saramago e a Isabel da Nóbrega, com mais jornalistas, num autocarro, a visitar lugares do Saramago, descritos e vistos em Viagem a Portugal. Foi em Maio e,caso raramente visto, até nevou nesse mês na Guarda. Parámos em Castelo Branco, depois Castelo Novo, Marialva, Fundão, Guarda, Cidadelhe, etc. O meu contacto com Saramago foi praticamente inexistente, embora andássemos no mesmo autocarro durante uma semana.
Nunca fui apreciador de Saramago, exactamente porque li a maior parte dos livros dele. Ressalvo, com o meu agrado, o Levantado do Chão, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis ( a acusação de plágio de Borges foi denunciada por Artur Queirós, angolano com os pais de Chaves, no jornal--efémero e pago pelos líbios-- Ponto Final) e o Evangelho Segundo Cristo, bem menos crítico que os Evangelhos ditos Apócrifos de Kun Ran ( não sei se se escreve assim).
APOSTILA: para quem não saiba, descobri há dias um documento que revela a qualidade de maçon de Francisco Meireles, o grande Mecenas e benfeitor de Moncorvo, bem como Abel Gomes. Um dia mais tarde desenvolverei o assunto.
Ainda sobre Saramago e o assunto do "plágio" do Ano da Morte de Ricardo Reis mencionado pelo Rogério, tenho a dizer que desconhecia a autoria dessa denúncia de Artur Queirós, nome até ao momento de meu completo desconhecimento. Em dado momento, quando li o "Ano da Morte de R.R." (logo que saíu), tinha-se dado o acaso fortuito de ter lido, poucos dias antes, as "Ficções" de Jorge Luís Borges. E deu-se o misterioso caso de tropeçar num autor suposto (uma das invenções de Borges) chamado Herbert Quain, autor de uma espécie de policial (The god ofthe labyrinth), e de reencontrar esse mesmo autor mencionado na obra citada de Saramago - o que provava que Saramago estava familiarizado com a obra de Borges. Assim sendo, deixei de ter dúvidas sobre qualquer fenómeno de coincidência quanto à "cena" da entrada de Ricardo Reis no Hotel Bragança, para se ir encontrar com o seu ortónimo, em tudo semelhante ao momento em que Borges, num certo hotel de uma qualquer cidade europeia onde fora fazer uma conferência, escreve o seu nome no livro de registos de hóspedes, tendo-o o empregado confundido com o "outro", que já o esperava, parecido com ele, pois era ele próprio, só que uns anos mais velho.
Nos tempos em que tinha mais tempo para as literaturas, ao ler a obra destes dois autores (Pessoa e Borges), que são dos meus preferidos. dei-me conta do paralelismo entre a dualidade borgiana e a pluralidade pessoana. E um certo dia, em conversa com o nosso conterrâneo e Amigo, Paulo Santos, então estudante de Línguas e Literaturas Modernas na Univ. do Minho, falando de Saramago, ele afirmou que um professor dele tinha dito que Saramago havia plagiado Borges, no caso do Ano da morte de R.R.. Achei espantoso, pois eu tinha tido uma percepção semelhante, embora não me atrevesse em absoluto a falar de plágio, conquanto me parecesse que tinha havido uma apropriação de ideias (o Paulo deve lembrar-se dessa conversa).
Assim, quando uns tempos mais tarde, o grupo de Português da Escola Secundária de Torre de Moncorvo me convidou a fazer uma palestra, no contexto de umas jornadas sobre F. Pessoa, lembrei-me de desenterrar o assunto, a fim de introduzir alguma polémica nas ditas jornadas, pois não sendo eu especialista de coisa nenhuma, gostava de ouvir a reacção dos professores. Muito cautelosamente não ousei falarm em plágio, mas "inventei" (julgo q inventei, não sei) um neologismo: falei em "paraplágio", com um sentido mais elíptico, sabendo de antemão que alguém me viria com a teoria das "inter-textualidades", etc, etc.. E assim aconteceu. Um dos participantes, professor em Bragança, de resto poeta conhecido e um excelente declamador, devoto de Saramago (sobre o qual tinha feito uma tese de mestrado), quase me bateu!! - Notei-lhe que aceitava as objecções dele, que na verdade não havia um plágio no sentido de cópia (como se viria a revelar o tipo Clara P. Correia - o episódio foi antes), mas havia um decalcar de situações, para não dizer, um decalque de uma história pessoana sobre um fundo borgiano. E isto poderia aceitar-se se, desde logo, o autor tivesse assumido a intencionalidade do facto, à partida. O que sucede é que só o fez anos depois, creio, numa entrevista que deu, possivelmente quando alguém reparou no mesmo (seria o tal de Artur Queirós, seria algum professor universitário). Bem, se o reconheceu antes, tanto eu como quem me interpelou, nessa ocasião, o desconhecíamos, à época. E o assunto acabou aí - devo dizer que mais tarde, o dito professor me escreveu e pediu desculpa pelo desaforo e o assunto foi ultrapassado.
(Continua...)
CONTINUAÇÃO do comentº anterior:
Mas, já depois disso, li algures que outro alguém também disse outro tanto de uma outra obra de Saramago - precisamente o Levantado do Chão - que seria também "decalcado" de uma outra obra de Manuel da Fonseca, creio que a Seara de Ventos. Como não li nem uma nem outra, não posso opinar. Possivelmente, dada a continuidade ideológica em relação ao Manuel da Fonseca, deve ter sido outro caso de mera inspiração. - Não vamos deslustrar o nosso único Nobel literário. Adiante!
Sobre os famosos manuscritos do Mar Morto, tenho visto escrito Qûm Ram, ou Qum-Ram, lugar onde terão sido descobertos (e que têm a ver com as doutrinas dos Essénios)
E, embora prsuma que não deva ter sido dentro de vasos guardados no interior de certas grutas do Mar Morto, nem tão-pouco nos arquivos secretos do Vaticano (ele saberá em que templos achou a informação), felicito o Rogério pelas suas descobertas a respeito dos nossos ilustres conterrâneos Francisco Meireles e Abel Gomes. Se este não surpreende, já o Francisco Meireles penso que era insuspeitado. Já agora, sem querer saber de mais, quem seriam os do "triângulo" aqui existente nas alturas da República?
(só se puder dizer, claro).
abraço,
n.
Ainda que atrasadamente, aqui fica um mail que recebemos do conterrâneo J. Rodrigues Dias, o qual ficou "perdido" na caixa de correio do blogue. Do facto pedimos as devidas desculpas, agradecendo a simpatia das palavras do nosso leitor e seguidor, bem como os links que nos enviou, sobre a obra de Saramago (ver no fim).
A Administração de TORRE.Moncorvo.
De J. Rodrigues Dias:
«Caros Amigos (como poderia tratá-los?):
A vida dá muitas voltas. Dá-nos muitas voltas. Idas e vindas, com alguns desencontros no meio. Sem explicações. Pontos de paragem. Alguns, pontos finais; outros, pontos de partida para novas caminhadas. Com novos encontros, ou reencontros.
Muitas voltas. Eu vim e fiquei. A Isabel veio e partiu.
Aqui cheguei agora pela interrogação da Wanda e pela resposta do Sá Gué pelos caminhos dos correios etéreos. Houve no meio um ponto e vírgula.
Reencontros doces, agora, quase ternurentos, com a Júlia e o Nelson. Diferentes as razões. Reencontro, creio, com João Costa, em andar de tartaruga. Que me perdoem os outros, também em reencontro ou em novo encontro. Desculpem-me o tratamento amistoso, quase familiar. De todos, não conheço a pessoa de um só. É preciso?
Porque se refere neste blog uma notícia sobre as escolas centenárias, e também porque se fala de Saramago, deixo dois “links” relativos a dois
textos dos últimos dias que escrevi num blog desta minha outra terra que fisicamente me acolhe. Poderão usá-los, se assim o entenderem.
Perdoem-me qualquer eventual incorrecção.
Com um abraço (transmontano?),
J. Rodrigues Dias
Évora, 2010-06-23
http://acincotons.blogspot.com/2010/06/o-mundo-na-minha-escola-primaria.html
http://acincotons.blogspot.com/2010/06/saramago.html »
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