Assim se despovoa o reino ao cheiro de outras canelas…
Mais uma vez no Job Centre Plus.
Mais uma vez no Job Centre Plus.
Portugal estava ali representado por um ventre fecundo, bojudo, cujo “top” florido das papoulas resguardava, e uns olhos, de três anos, velados por entre pestanas recurvas, a fazer-lhe sombra.
A mãe vinha motivada para pedir outros apoios. Agora que estava no final do tempo de gestação, não teria disponibilidade física para se deslocar quinzenalmente ao JobCentre a fim de provar que se encontrava na mesma situação e à procura de emprego. O inquérito da funcionária para o pedido do novo tipo de subsídio escancarava-lhe a vida: há quanto tempo estava no Reino Unido, se já tinha vivido noutros países, quais as suas habilitações literárias, se tinha rendimentos no país de origem…
Mas nada do que ela dissesse responderia ao essencial do caso. O que afinal importava apurar eram os verdadeiros motivos que tinham dado origem à debandada. Por que motivo deixou a pátria, enfrentou um novo país sozinha e, sobretudo, vinha parir numa cama estranha e desacompanhada do autor da façanha? Talvez nestas circunstâncias não se façam públicas tais perguntas e se aja com mais recato e na intimidade. Porém, foi em plena rua e numa língua estrangeira, a Língua Portuguesa, que se contou a verdadeira “história”.
“Eu vivia em Lisboa. Trabalhava ao balcão. Até já ganhava bem, porque era chefe de loja. Mas sabe como é nas cidades grandes… Tudo é caríssimo! A renda da casa avultada. As creches levam preços altos. O pai tem uma licenciatura, mas também não lhe serve de muito. Pouco trabalha e não tem dinheiro. Vim sozinha, com a menina e grávida, ter com a minha irmã. Foi ela quem me animou para o fazer. Dizia-me maravilhas disto, que era muito melhor morar aqui. Saiba que quando nasceu a minha primeira filha fui trabalhar tinha ela apenas 4 meses. A partir dessa altura, tenho trabalhado incansavelmente, mas sem qualquer vantagem. Com o nascimento de mais outro filho, seria ainda pior a vida. Sem tempo para mim, nem para eles. Como já lhe disse, a minha irmã vive aqui com os seus cinco filhos. Não trabalha. Arranjaram-lhe casa, tem ajudas do Governo. Estou a viver com ela, enquanto não me dão também uma a mim. Não está fácil! Estou em lista de espera. Vamos lá ver!... Quero arranjar uma ocupação o mais depressa possível. Pode ser imediatamente após o nascimento do meu filho. Agora ninguém me dá trabalho. Em Setembro, espero realmente ir para o curso de Inglês, na esperança de que o JobCentre me destine uma carreira.”
A um mês do parto, estava sorridente, sentia-se confiante e protegida. A parteira já a tinha ajudado a pedir todos os tipos de subvenções a que tinha direito por lei, desde os cupões para o leite ao montante para o carrinho e o enxoval do bebé. Aliás, já recebera, atempadamente, tudo o que o pacote da maternidade lhe oferecia. Não era fácil, sobretudo porque ainda não tinha casa própria, mas sempre era melhor do que em Portugal!...
Recorrendo à saga da emigração, Portugal continua assim a exportar de leve o Presente e o Futuro da nação!
A mãe vinha motivada para pedir outros apoios. Agora que estava no final do tempo de gestação, não teria disponibilidade física para se deslocar quinzenalmente ao JobCentre a fim de provar que se encontrava na mesma situação e à procura de emprego. O inquérito da funcionária para o pedido do novo tipo de subsídio escancarava-lhe a vida: há quanto tempo estava no Reino Unido, se já tinha vivido noutros países, quais as suas habilitações literárias, se tinha rendimentos no país de origem…
Mas nada do que ela dissesse responderia ao essencial do caso. O que afinal importava apurar eram os verdadeiros motivos que tinham dado origem à debandada. Por que motivo deixou a pátria, enfrentou um novo país sozinha e, sobretudo, vinha parir numa cama estranha e desacompanhada do autor da façanha? Talvez nestas circunstâncias não se façam públicas tais perguntas e se aja com mais recato e na intimidade. Porém, foi em plena rua e numa língua estrangeira, a Língua Portuguesa, que se contou a verdadeira “história”.
“Eu vivia em Lisboa. Trabalhava ao balcão. Até já ganhava bem, porque era chefe de loja. Mas sabe como é nas cidades grandes… Tudo é caríssimo! A renda da casa avultada. As creches levam preços altos. O pai tem uma licenciatura, mas também não lhe serve de muito. Pouco trabalha e não tem dinheiro. Vim sozinha, com a menina e grávida, ter com a minha irmã. Foi ela quem me animou para o fazer. Dizia-me maravilhas disto, que era muito melhor morar aqui. Saiba que quando nasceu a minha primeira filha fui trabalhar tinha ela apenas 4 meses. A partir dessa altura, tenho trabalhado incansavelmente, mas sem qualquer vantagem. Com o nascimento de mais outro filho, seria ainda pior a vida. Sem tempo para mim, nem para eles. Como já lhe disse, a minha irmã vive aqui com os seus cinco filhos. Não trabalha. Arranjaram-lhe casa, tem ajudas do Governo. Estou a viver com ela, enquanto não me dão também uma a mim. Não está fácil! Estou em lista de espera. Vamos lá ver!... Quero arranjar uma ocupação o mais depressa possível. Pode ser imediatamente após o nascimento do meu filho. Agora ninguém me dá trabalho. Em Setembro, espero realmente ir para o curso de Inglês, na esperança de que o JobCentre me destine uma carreira.”
A um mês do parto, estava sorridente, sentia-se confiante e protegida. A parteira já a tinha ajudado a pedir todos os tipos de subvenções a que tinha direito por lei, desde os cupões para o leite ao montante para o carrinho e o enxoval do bebé. Aliás, já recebera, atempadamente, tudo o que o pacote da maternidade lhe oferecia. Não era fácil, sobretudo porque ainda não tinha casa própria, mas sempre era melhor do que em Portugal!...
Recorrendo à saga da emigração, Portugal continua assim a exportar de leve o Presente e o Futuro da nação!
5 comentários:
Lamentavelmente os portugueses continuam a atravessar fronteiras em busca da realização, melhores condições e valorização profissional que o país parece não conseguir oferecer-lhes. Mas com este fluxo de emigração qualificada, o país fica também numa maior debilidade estrutural, que vê assim sair os seus recursos mais bem preparados para melhorar os índices de desenvolvimento económico e social.
O texto da Isabel Mateus reflecte duas coisas: 1) o modelo social europeu (ou o inglês, neste caso, pois que se Portugal pertence à Europa - às vezes parece que não perence) o qual está em crise em face do neo-liberalismo e das economias da "globalização", o qual pode ser ajustado mas, no meu entender, nunca deveria ser destruído, enquanto "conquista" civilizacional;2) a debilidade estrutural da economia portuguesa que leva (e sempre levou!) as pessoas a emigrar, seja em que regime fôr: monarquia, república, regime autoritário ou dito democrático - pelo que a correlação simplista e literária de muitas vezes se querer estabelecer uma correlação entre o anterior regime e a Emigração cai por terra. Nessa altura houve uma emigração mais visível porque a atractibilidade decorrente do expansionismo económico dos certos países da Europa do pós-guerra (França e Alemanha sobretudo) requereu grandes contingentes de mão-de-obra de economias mais débeis (num processo natural e até enfrentando as restrições quanto à saída das pessoas, como foi o nosso caso - as estórias da "emigração a salto"), como eram as da orla mediterrânica, Portugal, Espanha e parte de Itália, pois os gregos parece terem-se acomodado mais (tal como hoje) às suas montanhas, talvez por causa do factor linguístico. Ontem como hoje, se houvesse mais oportunidades fora (ou expectativas disso) como nos tempos das índias, decerto de novo estes reinos se despovoariam... São coisas atávicas e que não se compadecem, por vezes, com interpretações redutoras e simplistas.
Olá, Isabel
Antes de dizer algo sobre o seu texto, quero agradecer-lhe o livro "O Trigo dos Pardais", que já está na minha mão e vou lê-lo de imediato. Bem haja.
Aproveitei e adquiri também "Outros Contos da Montanha" .
Gosto do que escreve e gosto da sua escrita.
Quanto ao problema da emigração, ele é complexo de qualquer ponto que se olhe e quase sempre tem por trás histórias de penúria, de tragédias insuspeitadas ou bem visíveis, de necessidades de vária ordem... em suma: a necessidade de uma vida melhor, onde a dignidade e a solidariedade humanas não sejam palavras ocas. E nem sempre tal acontece. Os casos de sucesso começam, nos tempos que correm, a ser excepções.
As opiniões expressas pelo anónimo anterior justificam-se plenamente.
Um abraço
Júlia
Viva Isabel,
Já estávamos com saudades das "crónicas de Inglaterra" - e, como vemos, o tema da emigração continua a suscitar comentários pertinentes. Gostávamos que os próprios emigrantes, em que se inclui a Diáspora moncorvense (que bem sabemos que vê o blogue), se pronunciasse sobre as suas próprias experiências pessoais. Como já disse outrora, na saga da emigração (mormente trasmontana) há dois vectores que se cruzam - seja essa emigração para outros países, ou para as urbes litorenhas: a necessidade de se melhorarem as condições de vida e uma certa "pulsão de evasão", como costumo dizer (misto de curiosidade e sentido de aventura, de procura de desconhecido, de ruptura com o "locus", na convicção de que "o ficar aqui é não passar da cepa torta", coisa para conformistas ou arrivistas). E às vezes, quando há uma revolta quanto à "terra madrasta", a emigração pode aproximar-se quase do sentimento de "exílio", com a partida a sentir-se como uma espécie de saída para a liberdade. Neste particular lembro-me de um clássico filme italiano a P&B (Antonioni? Fellini?, já não sei), o qual termina, na cena final, com um grupo de emigrantes sicilianos, ou do sul da Itália, a evadir-se da sua terra natal, na traseira de uma camioneta em marcha por um estradão poeirento, em que um deles se põe de pé e vai urinando para a terra que ia deixando para trás. Um simbolismo forte, mas que, no nosso caso, não assumiu (penso eu) estes foros de repulsa pela terra que se deixou e em relação à qual o nosso emigrante se sente sempre umbilicalmente ligado por esse estranho sentimento que é a "saudade". - Julgo que a Isabel saberá isto melhor que nós, pois tem ouvido bastantes emigrantes (trasmontanos, portugueses e não só), e tem aí, decerto, pano para muitas mangas em termos de pesquisa literária. Desejo-lhe bom trabalho, com Abraço (também para a Drª. Júlia).
n.
Viva! Muito obrigada a todos!
Já tinha saudades destes comentários/conversas animadas no nosso Blogue de Moncorvo.
Achei muito interessantes as vossas opiniões acerca do texto sobre a emigração, pois exprimem "verdades". A saga da emigração (portuguesa) vai ganhando contornos novos consoantes as épocas, neste caso concreto não é o Marido(Auto da Índia, Gil Vicente)quem embarca, mas a Ama e, inclusive, os filhos, nem o Velho quem meneia a cabeça e levanta a voz para ser ouvida pelos marinheiros, pensando, talvez, que os demoverá da partida, somos só um punhado de gente (lusa)que reflecte acerca do assunto e das sequelas da mais variada ordem que esta Aventura deixa ao longo do percurso de vida de cada um.
Tenho tomado cada vez mais consciência da emigração no país onde resido, porque comecei há uns meses um estudo aprofundado relativo à emigração para França a partir dos anos 60. Eu mesma sou filha de emigrantes, sem eu nunca ter sido emigrante nesse país, e, como tal, chegou a minha hora de tomar consciência do que realmente se passou antes que os verdadeiros intervenientes desapareçam. Infelizmente, alguns deles já não estão entre nós! Durante este tempo, tenho chegado a conclusões tão óbvias acerca da emigração que me pergunto como foi possível viver tanto tempo entre emigrantes e nunca me ter dado conta delas! Após a morte de Dom Carricinha e da clausura recente, já adivinhada no livro, do Ti Malapeira (ambos personagens de Outros Contos da Montanha, no Lar de Idosos, não serão os emigrantes retornados de frança (e Alemanha)os únicos resistentes rurais?
Da mesma forma, o Reino Unido está a pôr alguns entraves à emigração, mas não continua a ser um país de grande refúgio para os portugueses e outros povos?
Contudo, o mais fascinante na saga da emigração é saber que embora seja um fenómeno colectivo também o é individual, e cada "história" é só uma. Por isso, tão rica! E escrever estes textos é estar com a emigração no dia-a-dia, com as suas dificuldades e alegrias reais.
Um grande abraço para os dois Anónimos, para a Júlia (obrigada eu por tudo)e o simpático N..
Isabel
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