sábado, 12 de junho de 2010

Quadros da transmontaneidade (12)

O Arraial: a arrematação

A praça fervilhará de vida. Uma constelação de luzes, ao dependuro, a abanar levemente pela aragem que faz ”coscas” na face, aquecerá a noite e criará a ilusão da existência de um mundo iridescente, pleno de felicidade.
O alto-falante calar-se-á para dar lugar à banda de música. O mestre de braços no ar suspenderá o tempo por breves instantes e, quando lhe parecer todos estarem atentos, dará a entrada por que todos anseiam. Um enxame de gente convergirá para o coreto improvisado. O tachim… tachim … dos pratos e o pum… pum… do bombo penetrará na noite e todos se deixarão enlevar pelo mundo fantástico dos sentidos. Os mais ousados darão um pezinho de dança. Quando já todos estiverem rendidos à maviosidade daquele mundo, como que a provar que não há bela sem senão, logo o arrematador de serviço dará início à venda das prendas, e sempre com um ar galhofeiro dirá:
– Para aqueles que têm fome, aqui está este maravilhoso salpicão, uma dúzia de papos-secos, uma garrafa de vinho… tudo oferecido pela Maria dos Prazeres. Quanto vale?
O mais novo da Albertina, que anda “embeiçado” por ela, cheio de fome, abre a contagem. Levantará a mão, abrirá três dedos e dirá: “trinta”.
O do Acácio, que também não lhe desagrada, mandará mais dez. E num despique constante a conta vai crescendo, primeiro de dez em dez, depois de cinco em cinco. Quando um deles começar a dar sinal de fraqueza o arrematador de serviço, sempre atento aos pequenos sinais, continuará, agora ainda mais lentamente, de um em um para, finalmente, quando a carteira de um deles já não suportar o peso há-de entregar a almejada prenda por duas notas de 50 num verdadeiro clímax, de quem já não consegue suportar a força do elástico esticado até ao limite de ruptura.
A impaciência já sente no ar. Uns acordes da guitarra eléctrica aumentam a ansiedade dos mais novos que se vão aglomerando no outro lado da praça.

(Continua…)

ANTÓNIO SÁ GUÉ

1 comentário:

Júlia Ribeiro disse...

Amigo Sá Gué:

Está visto: sou uma fã da sua escrita.

Abração,
Júlia