domingo, 14 de março de 2010

Da transmontaneidade

Com os primeiros alvores da manhã os montes inundam-se de uma luz traslúcida, quase irreal, misteriosa. O lusco-fusco dissipa-se e os montes desenham-se eriçados à contra-luz de um céu que, pouco a pouco, começa a revelar-se em toda a sua profundidade azul. Na encosta do monte fronteiro, o olivedo vai pintalgando a terra ferrosa recentemente charruada. Das fragas encrustadas na terra-mãe como diamantes, humildes e altaneiras, fortes e impotentes levanta-se em voo pesaroso um par de águias-reais. A brisa, que de repente acordou, retesa-nos os sentidos. O cheiro áspero da giesta inunda-nos e uma íntima comunhão com a natureza percorre-nos o ser. As amendoeiras, agora floridas, incapazes de suster as pétalas que esvoaçam à nossa volta, revelam-nos, sapientemente, a fugacidade do tempo. As aldeias vão cedendo à vida, o fumo das fogueiras acesas trazem-nos sabores já esquecidos. Bebo as palavras do poeta.
“– Ó montes!, que transfundistes em mim a tua alma sem me pedires autorização.”

ANTÓNIO SÁ GUÉ
Foto: João Costa

1 comentário:

Filipe Rocha disse...

a terra da liberdade, onde ainda se inspira ar puro :)