segunda-feira, 15 de março de 2010

A Emigração na literatura regional - 1

No seguimento do "post" sobre o tema da emigração, aqui deixado há dias por Isabel Mateus, em que a nossa conterrânea e colaboradora lançava o repto a quem nos quisesse contar as suas aventuras/desventuras dos tempos do "salto", ocorreu-nos à lembradura algumas passagens literárias, ainda por cima de autoria de outros conterrâneos e colaboradores nossos, como é o caso de António Sá Gué. Aqui deixamos como sugestão o seu livro "As duas faces da moeda" (Papiro Editora, 2007), de que respigamos esta passagem, contando a aventura emigrante de um "carviçaleiro":

«O ti Chico Sá sentou-se no seu canto do escano, abriu o preguiceiro e serviu-se. O Augusto imitou-o. Um nico de tempo depois, à sua voz, todos se calaram:
- Um dia destes, vou para França - disse, procurando dar à voz uma entoação natural, e que simultaneamente não deixasse transparecer que já estava tudo tratado.
Silêncio! Toda a gente virou o olhar na sua direcção, como quem espera mais explicações.
- Vais para onde? - perguntou a Eva.
- Vou para França. Isto aqui não dá nada. Nunca se sai da cepa torta. Quantas peças vendeste hoje na feira? - perguntou, para poder justificar a sua decisão.
- Nenhuma.
- E como é que vais? Ao deus-dará? - inquiria o Chico Sá.
- A salto.
- E quanto custa? E dinheiro?
- Vou pedi-lo emprestado à D. Gertrudes.
- Ó homem! - dizia a Tia Maria Júlia. - Olha que de pobres não passamos e a ricos não chegamos. Por isso não vás! Cá... sabemos com o que contamos, apesar de pouco. Lá... pode até ser mais, não digo que não, mas... o dinheiro não é tudo!... E a língua!... Quem é que os percebe?
Todos estes pensamentos já tinham trespassado o espírito do Augusto do Cabeço. Mas de que outra forma podia um dia aspirar a ter um amendoal nas Arcas? ou um olival na Maria-Moura? Não havia». (obra citada, pág. 18-19)

O certo é que o Augusto abalou mesmo. Vale a pena ler o resto: a saída de Carviçais pela madrugada, a viagem pela estrada de Freixo-Barca de Alva, em direcção a Almeida, com outros companheiros de jornada, como o José Gaio, o Valente e o Bernardo, levados num velho furgão por um passador carrancudo e má-rês. A passagem por brigadas da GNR (previamente controlados) a travessia da fronteira com Espanha em direcção à mítica França, enfim, um relato de leitura obrigatória para se ter uma ideia dos trajectos do "salto", descritos de forma magistral pela pena de A. Sá Gué.

3 comentários:

Anónimo disse...

Obra que vale realmente a pena ler não só pela emigração para França, mas também pelo outro tema que também aborda: a Guerra Colonial. Afinal, "a outra face da moeda!"

Isabel

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Amigos Blogueiros,
olá, Isabel,
olá Sá Gué,
olá, todos !

Estive mais de 15 dias sem Internet. A ZON ofertou-me a Banda Larga e eu, pobre e mal agradecida, obriguei-os a virem tirar esta tralha toda - um modem tão moderno e reluzente! - e voltar colocar o que cá estava antes e que nunca tinha dado problemas. Pois este brinquedo novo ia-me dando cabo do juízo. O sinal caía minuto sim, minuto sim.
O técnico que veio cá hoje (ameacei mudar de operador) disse que o sistema ainda não está totalmente operacional em Leiria.
Bom, o que interessa é que já posso conversar com todos vós. Já tinha saudades.
Agora vou ver o material que por aqui tem sido postado, parece-me de primeiríssima, e depois volto a falar convosco.

Um abraço muito grande.
Júlia

Anónimo disse...

Viva Drª. Júlia!
Bem-vinda a esta nova casa, prolongamento da anterior! Aguardamos a resolução rápida desses problemas informáticos, para nos poder acompanhar e deliciar com os seus sempre magníficos textos.
Sobre o que diz a Isabel da "Outra face da moeda", pois esse é outro tema que teria muito interesse ser tratado aqui no blogue: o dos nossos conterrâneos que viveram a chamada "guerra do ultramar", e que também aqui podem deixar o seu testemunho (ou convocatórias para encontros de antigos camaradas de armas). Fica também este o nosso repto.
Abração a todos/as,
n.