Ainda sobre o tema da emigração na literatura regional, se no "post" anterior a acção se centrava no momento do "salto", neste caso, com Vítor da Rocha (outro importante autor natural de Carviçais), encontramos já um outro aspecto da estória da emigração: o dos que ficavam e a sua relação com o que "andava lá por fora a ganhar a vida", como dizia um célebre anúncio telvisivo de há muitos anos.
Este trecho, de autoria de Vítor da Rocha, foi retirado do conto "Argamassa para uma casa", incluído no livro "Na andadura do tempo", editado por ArtEscrita, 2007, pág. 99 (1ª. ed. Campo das Letras, 1997):
«Horácio cresceu quase sem pai, morto onze meses em França e vivendo apenas no mês de Agosto, então regressado ao seio da família e dos conhecidos. De Agosto para Agosto do ano seguinte, Horácio estranhava cada vez mais a vinda daquele homem, que lhe trazia, guardados na mala, por entre roupas e ferramentas novas, chocolates, grossos e compridos, que ele nunca vira iguais na loja do senhor Faustino, e dois ou três brinquedos, um carro a pilhas e um avião, uma carruagem depenada do comboio, uns com tinta fresca e cheiro a novos, outros a ressumirem ferrugem da pubela onde o pai os encontrava. Oferecia-lhe as guloseimas e as prendas, punha-lhe as mãos nos cabelos, beijava-o na face, com os espinhos da barba a picá-lo, e subia as escadas para o interior da casa a fazer festas à sua mãe. Mas as festas terminavam logo nos primeiros dias, iniciando-se depois as discussões, ora em surdina ora em berros sem respeito por ele, passando o resto do tempo a pegar em copos na taberna. Com bebedeira todas as noites, assim o pai de Horácio passava as férias, só voltando a ser o mesmo homem da chegada na hora da partida, quando, os olhos molhados, beijava novamente o filho, acariciava-lhe outra vez os cabelos, e, fechando as malas, já sem as prendas para ele, pegava uma em cada mão e se metia no táxi do senhor Aníbal, um Peugeot 304, a ronronar sonolento à porta, com destino à fronteira de Barca de Alva».
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