terça-feira, 16 de março de 2010

Emigração na literatura regional - 3

Impõe-se um esclarecimento que deveria ter sido feito ao início: ao falarmos em "literatura regional" queremos dizer "feita por autores naturais da nossa região, ou com origens nela, e que a ela, a região, se reportam com frequência nas suas obras, inspirando-se nas nossas realidades actuais ou de há muitos anos". De modo algum se poderá fazer uma leitura futebolística - longe de nós! - de haver um escalão "regional" aquém de outras ligas. Até porque A. Sá Gué e Vítor da Rocha são, para nós, escritores de nível nacional, para não falar de mais outro grande escritor que hoje aqui trazemos, a propósito deste tema e que, como veterano, tem uma "internacionalização" de longa data (antes até de começar a ser mais conhecido - felizmente - nos nossos "relvados" da escrita nacional): José Rentes de Carvalho.

J. Rentes de Carvalho foi, de facto, um "emigrante de luxo" que acabou como reputado escritor e professor universitário na Holanda, país que vai repartindo, em termos de afectos e de estadia, com est'outro nosso país trasmontano. Sorte igual não teve o pobre Amadeu "Gato", dos Estevais do Mogadouro, personagem do seu livro "A amante holandesa", que acabou como estivador no porto de Amesterdão, antes de, arrampanado, acabar a guardar cabras nas terras das suas origens. Mas, para aguçar o apetite, aqui fica um trecho em que se relata a odisseia de um "estevaleiro" regressado das Holandas, onde viveu uma paixão assolapada com uma holandesa, de que resultou uma filha que um dia veio conhecer as terras das origens do "pai pródigo":

«Ele gosta de falar de Amsterdam. Do porto. Da gente que, ao vê-la pelos seus olhos e tão diferente da nossa, se me afigura irreal.
'Quem for fraco não se aguenta ali', diz ele, baixando a cabeça e cerrando um instante os olhos, como para afastar recordações penosas.
Ele aguentou-se. Vinte e tantos anos que pareceram longos e agora se lhe afigura terem passado num sopro. Quando lhe deram a reforma veio-se embora, mas hoje...
'Hoje se pudesse, metia-me no avião e em duas horas já lá estava. Eu vejo-os passar aqui por cima da nossa terra, e quando voam naquela direcção digo comigo: olha, mais um que vai para a Holanda. São as saudades, sabe. Também porque deixei lá a outra e a filha'.
'Mas não poderias ao menos...'
Ele, baixando os olhos: 'Escrever não sei. Telefonar também me custa. com certeza nem me entenderiam, porque desde que vim esqueci quase tudo. Mas não, deixe lá... Há-de ser o que Deus quiser'».
in: A Amante Holandesa, editora Escritor, 2003, p. 19.
O "Gato" morreu. Um dia, ao seu confidente e amigo de infância, professor em Bragança, apareceu-lhe uma mocinha holandesa, toda "vamp" e cheia de "piercings", a querer saber coisas sobre o pai português que nunca conheceu. - Se quiser saber o resto, as aventuras e desventuras de um emigrante das nossas terras nas míticas europas civilizadas, e o que aconteceu depois, este livro é obrigatório!
N.Campos

2 comentários:

jose albergaria disse...

Caro Nelson,
Aproveitando paixão comum, a sua mais antiga e consistente do que a minha, aqui lhe deixo as maiores felicidades para esta nova variante bloguista, que me parece mais arejada.
Abraço,
J. Albergaria

Anónimo disse...

Caríssimo J.Albergaria,
Antes de mais Muito Obrigado pelo seu comentário, que entendo extensivo a toda a equipa que aqui se esforça por levar a todos os moncorvenses, residentes ou em longes terras, além de todos os Amigos, visitantes ocasionais e outros interessados, alguns conteúdos que julgamos de interesse sobre as nossas terras. Além disso, na linha dos anteriores programas editoriais, queremos que este seja um espaço de encontro, sã convivência e de profícua comunicação entre todos os Homens/Mulheres de boa vontade - como se dizia dantes, em azulejos de taberna: "se vens por bem, entra!". No caso do José Albergaria tal não é preciso dizer, pois já entrou e já faz parte da casa.
Quanto à nosso "autor de culto", pois parece que teremos o nosso almoço por perto.
Abração,
N.